Clássicos Artigos - "Amok" | Antes bem acompanhado do que só
A sessão Clássicos Artigos de hoje traz uma matéria da Bravo sobre “Amok” o debut do projeto Atoms For Peace de Thom Yorke.
Sempre que um astro do rock, do soul, do rap ou de qualquer gênero popular tem um punhado de ideias que acredita não caber em sua carreira principal, recorre a projetos paralelos, seja a gravação de um disco solo, seja a criação de um novo grupo. De tal necessidade nasceu o Tin Machine, conjunto que David Bowie lançou em 1988 para tocar mais pesado. Os registros individuais de Mick Jagger e Keith Richards foram motivados pelo desejo de fugir do trivial dos Rolling Stones. Já Bob Dylan, Tom Petty e os finados Roy Orbison e George Harrison escolheram experimentar outros desafios entre amigos, formando a megabanda Traveling Wilburys. Com o Atoms for Peace, Thom Yorke urdiu algo que é um pouco disco solo e um pouco supergrupo. Ironicamente, o álbum que resultou da empreitada, Amok, poderia ser assinado pelo Radiohead, a residência oficial do cantor e guitarrista.
O Atoms for Peace surgiu em 2009, quando Yorke foi atrás de uma banda para executar ao vivo as faixas de The Eraser (2006), seu álbum solo. O inglês não economizou na seleção de talentos. Para o baixo, convocou o virtuose Flea, dono dos grooves do Red Hot Chili Peppers. Para a bateria, fisgou Joey Waronker, já visto com R.E.M. e Beck. Mauro Refosco, percussionista catarinense que chamou a atenção ao montar (em Nova York) o grupo Forró in the Dark, recebeu a incumbência de auxiliar na cozinha. Com as programações eletrônicas, Yorke não quis arriscar: escalou Nigel Godrich, produtor que trabalha com o Radiohead desde 1994.
Baião
Após algumas apresentações bem-sucedidas, o cantor sacou que tinha um time qualificado demais para ser apenas a banda de apoio de sua aventura solo. Ele percebeu que montara um grupo paralelo. Ou melhor, um supergrupo paralelo – e o batizou com o nome de uma música presente em The Eraser: Atoms for Peace. Em Amok, esse combo suinga como se estivesse junto há décadas. Flea entrega uma linha de baixo monstruosa em Stuck Together Pieces. A mão de Mauro Refosco fica evidente na marcação de Unless, que se assemelha a um baião – Little by Little, do Radiohead, já havia suscitado comparações com o ritmo nordestino, mas agora o flerte é mais perceptível.
Nas letras, Yorke investiga a condição humana, ainda que, às vezes, de forma cifrada. Default, por exemplo, traz versos angustiantes: “Eu preciso parar/ A vontade é forte/ Mas a carne é fraca/ Acho que é isso/ Eu fiz minha cama/ E estou deitado nela”. Nada muito diferente das neuras expostas em temas do Radiohead. Mas, mesmo que Amok não signifique uma ruptura em relação a seu trabalho principal, é interessante observar o líder de uma das formações mais celebradas do rock atual em outra companhia. E que companhia!
José Flávio júnior é jornalista.
Via: Bravo