Para ler ouvindo Radiohead - O Arco-íris da Gravidade, Thomas Pynchon

Na Coluna Indicações desse mês, uma obra intrigante, perturbadora, que já foi citada como uma das fontes literárias de Thom Yorke para discos como Amnesiac. 

Em O Arco-íris da Gravidade, Thomas Pynchon compõe uma ousada "narrativa enciclopédica", com 400 personagens e tramas paralelas

Para que ninguém tome lebre por gato, uma advertência inicial: Thomas Pynchon é difícil. E O Arco-íris da Gravidade é considerado seu livro mais complexo. É um daqueles livros-empreendimento, que exigem leitura atenta, talvez anotações à margem, quem sabe leitura prévia, simultânea ou posterior de ensaios críticos e, com certeza, uma ou mais releituras.

Quem resolver empreender a tarefa, entretanto, vai se ver diante de uma das mais importantes obras literárias do século XX. Os estudiosos de Pynchon classificam O Arco-íris da Gravidade ombro a ombro com outras "narrativas enciclopédicas", como Ulysses, de James Joyce, Moby Dick, de Herman Melville, A Divina Comédia, de Dante Alighieri.

O livro, publicado pela primeira vez em 1973, nos Estados Unidos, tem mais de 400 personagens. Seus acontecimentos concentram-se entre o dia 18 de dezembro de 1944 e 14 de setembro de 1945. Resumir a "história" do livro é virtualmente impossível, mas uma tentativa aproximada de sinopse incluiria mais ou menos o que se segue: o Serviço de Inteligência Britânica descobre que um mapa de Londres, assinalando as conquistas sexuais de Tyrone Slothrop, tenente do Exército americano, antecipa os locais de impacto dos foguetes-bomba alemães V2. Essa descoberta envolve Slothrop na corrida entre os superpoderes militares-industriais da Europa em guerra para o lançamento do Foguete 00000.

Outras tramas e subtramas correm paralelas, tangentes e perpendiculares; personagens somem e reaparecem com outro nome páginas adiante; pequenos acontecimentos dão início a digressões longuíssimas. Some-se a isso vários fragmentos de línguas - só para citar as mais evidentes, alemão, francês, espanhol, russo -, tecidos, por vezes emaranhados, num estilo denso, com referências diversas que vão da química orgânica às histórias em quadrinhos (um amigo, o escritor Jules Siegel, num notório artigo publicado na Playboy em 1977, conta que reclamou a Pynchon da complexidade de V., seu primeiro livro, de 1963. O escritor teria retrucado: "Por que as coisas deveriam ser fáceis de se entender?").

Não se trata de esbanjamento esnobe de erudição literária nem de mero capricho para tornar o texto impenetrável. Pynchon, entre seus pares "enciclopédicos", é dos mais penetráveis para o leitor atual, também porque ele escreve a partir da experiência contemporânea. Há velocidade, agilidade natural, quase graça na troca algo estonteante de registros. E é engraçado: O Arco-íris da Gravidade satiriza os discursos ideológicos e científicos que fundam a civilização ocidental pós-Segunda Guerra Mundial e profetiza (e já demole) o mundo dominado pelas tecnologias de comunicação em tempo real ("É de se espantar que o mundo tenha enlouquecido", pergunta-se um personagem, "quando a informação tornou-se o único meio real de troca?").

O Arco-íris da Gravidade chegou a ser eleito como a melhor obra de ficção pelos juízes - escritores - do Prêmio Pulitzer em 1973. Mas o conselho curador do prêmio, também de jornalistas e editores, decidiu não concedê-lo a Pynchon, considerando o livro "ilegível" e "obsceno". O escritor, a essa altura, já completava uma década de sua famosa reclusão. Um dia, ele simplesmente fugiu de ônibus quando um repórter do semanário Time ia entrevistá-lo sobre V., e nunca mais fez nenhum tipo de aparição pública.
Pynchon, de quem se conhecem apenas fotos de juventude e uma de 1996, em que ele aparece de costas, não é um paranóico da privacidade como Salinger. Dois anos atrás, uma repórter da New York Magazine conseguiu localizar o endereço do escritor em Manhatthan e observá-lo andando pela vizinhança, fazendo compras em uma mercearia. Hoje, aos 61 anos, ele vive com a mulher, a agente literária Melanie Jackson, e o filho. Continua avesso à publicidade e à imprensa, falando apenas a partir de suas obras intrincadas e geniais: em 1990, ele lançou Vineland e, no ano passado, Mason & Dixon.

 Bia Abramo - Época

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