Mostrando postagens com marcador Review. Mostrar todas as postagens

Review: Radiohead - "Hail to the Thief" e seus 10 anos de amadurecimento

 

Disco lançado em uma época conturbada na história mundial completa sua primeira década

 

screenhunter_112-jun-07-1706_647x325

 

Matéria: MonkeyBuzz

 

Há exatos 10 anos atrás, Hail to the Thief do Radiohead chegava as lojas, e demonstrava uma banda diferente da vista em seus dois antigos anteriores Kid A e Amnesiac. Um grupo que viria a ser conhecido pelas suas diferentes influências, constantes buscas pela evolução dentro da música mas sempre geniais, como poucos artistas ainda podem ter esta aura diante de seu trabalho. O trabalho de 2003, ficou conhecido por ser um pouco mais direto que os seus antecessores, utilizando mais guitarras e instrumentos orgânicos ao invés de orquestrações construídas a partir de computadores e sintetizadores.

 

Se engana, porém, quem acredita que o grupo viria a abandonar tais apetrechos, os quais ficaram conhecidos nas duas obras citadas anteriormente, mas que foram muito bem introduzidos no clássico OK Computer. No entanto, como o líder e vocalista, Thom Yorke, costuma dizer sobre o período de gravação de Hail, o computador havia se tornado parte integrante do grupo, entrando no estúdio e sendo utilizado ao mesmo tempo que os instrumentos usuais, sem no entanto, se tornar um elemento externo a composição, com alguém sentado e interagindo somente com a máquina e não com o grupo. Por isso vemos em Hail o continuo uso de samples, sintetizadores e baterias eletrônicas mas de uma forma que viria a se tornar virtuosíssima nos posteriores In Rainbows e King of Limbs.

 

Construído em um período um tanto obscuro na história da humanidade em que os ataques as torres gêmeas em Nova York criariam um guerra declarada ao terror, e consequentemente uma inquisição as formas de pensamentos diferentes encontradas no Oriente Médio, acabou criando o cenário perfeito para um disco, que para muitos é político mas que para Yorke é simplesmente “um retrato do que ele vivia e escutava no rádio nas manhãs”. Logo o clima que permeia toda a obra é um tanto nebuloso, incerto como o mundo de amanhã parecia na época, mas ao mesmo tempo carregado de raiva e explosões de sentimento, trazendo a tona uma característica conhecida da banda: a de criar faixas crescentes com um clímax angustiante e sincero.

 

Gravado em Los Angeles em conjunto com o seu maior parceiro e produtor Nigel Godrich, trouxe de volta algumas características que aparentemente pareciam ter desaparecido nas obras anteriores. Para o grupo, deixava-se de lado a “manufatura musical” em que todos os membros se preocupavam com texturas, e horas e mais horas de gravação e pós produção, para um formato mais direto em que cada faixa fora gravada em um dia, sem tempo para ser revista. Era pegar ou largar o que tinha sido feito. Diante de tantas idéias não é a toa que o disco soa tão complexo, com diversas faixas com subtítulos( nomes de faixas não trabalhadas), temas que iriam desde a o massacre em Ruanda até dizeres encontrados no livro clássico de George Orwell 1984.

 

O próprio título, Hail to the Thief, ou em um tradução livre, “saudações ao ladrão”, uma clara brincadeira com a palavra chief (chefe de estado em inglês),pareciam uma clara referência a George Bush e sua guerra ao terror. Logo todos os elementos presentes em sua orquestração passariam posteriormente a ser fadados a considerar o disco como uma “obra de época”.

No entanto, o que mais surpreende no álbum é a sua qualidade. É clara uma ruptura entre o som mais voltado aos elementos eletrônicos e o início de uma dualidade, ou simbiose entre o orgânico e o sintético. A faixa inicial 2 + 2 = 5 ( The Lukewarm) é um soco no peito para aqueles que disseram anteriormente, que o grupo havia se vendido ou perdido. A faixa, toda feita em uma guitarra sem distorções de Johnny Greenwood, é crescente, energética e tem um refrão todo-poderoso, feroz, algo que só um momento conturbado e tamanha experiência poderiam fornecer, assim logo de cara. Single de muito sucesso, viria a figurar entre uma das faixas mais tocadas em shows e concertos por aí e contribuiria para tornar a obra um disco de platina e ouro no Reino Unido e EUA, respectivamente.

 

Sit Down, Stand Up é o exemplo da mutação da banda em uma música que retorna o piano direto do grupo, e traz uma linha de baixo jazzística claramente inspirada em Charles Mingus devido a sua rapidez e pouco espaço para respiração. No entanto, vemos aqui sintetizadores, leves overdubs e elementos eletrônicos, sim. A explosão vem rápida e mistura ambos elementos em uma perfeita sintonia.

 

Não pense que a raiva deixou de lado a tradicional e sincera melancolia do grupo, e ela pode ser muito bem vista na linda Sail to the Moon (Brush the Cobwebs Out of the Sky). Lenta e letárgica, tem umas das melhores linhas de guitarra de Johnny Greenwood e que em suas próprias palavras é a melhor faixa do disco.

 

Backdrifts (Honeymoon is Over) é mais experimental, e quase inteiramente eletrônica. Entretanto, a voz de Yorke parece muito mais solta neste disco, vindo sempre em primeiro plano a quaisquer outros elementos o que traz um caráter mais humano ao disco, algo que é muito visto na dobradinha arrebatadora Go to Sleep(Little Man Been Erased) e Where I End and You Begin( The Sky is Fallin In). Ambas podem ser consideradas obras primas, a primeira uma balada no violão que lembra o Folk criado nos anos 1960 e traz uma ótima nostalgia aos tempos de discos clássicos com The Bends. A segunda é extremamente teatral e tem uma combinação incrível entre baixo e bateria. O crescimento da faixa é estimulante, e as diversas interpretações ao vivo dela fazem desta música uma das mais emocionantes já feitas pelo grupo.

 

Hail to the Thief é também o disco mais longo em duração do grupo, e traz 14 faixas muito bem realizadas e que transparecem diferentes sentimentos e experiências. Temos a quase barroca e cantada em um coro dolorido,We Suck Young Blood, uma música que em seu próprio título traz a crença do grupo nos líderes mundiais, ou simplesmente vampiros que sugam o sangue das esperanças dos jovens. The Gloming (Soflty Open Our Months in the Cold) é uma experiência antagônica em que o baixo sintetizado cria uma das faixas mais pesadas do grupo e tem uma estrutura que seria vista posteriormente no trabalho solo de Yorke, The Eraser. Uma balada calma mas desta vez um pouco mais crescente, *There There( The Boney King of Knowhere), viria a se tornar um outro single de sucesso.

 

A verdade é que não importa qual faixa estamos analisando ou escutando, uma estrutura em comum é sempre encontrada: a do crescimento em volume e intensidade até a chegada de um clímax extremamente empolgante. Tal auge pode vir através de um refrão, um solo, uma quebra de ritmo ou um baixo pulsante,não importa, a verdade é que o grupo se preocupou em causar impacto em cada uma de suas criações no disco, fazendo-o evoluir a cada nova escutada.

 

I Will( No Man’s Land) surge e desaparece subitamente e abre espaço para uma das faixas mais ambiciosas do grupo A Punch A Weeding( no no no no no). Nela vemos uma orquestração extremamente sexy, um trabalho de voz sintonizado entre os membros da banda e traz um lado mais Rock & Roll do grupo, capturando a essência do estilo na década de 1970 que veio a se misturar muito bem com o Funk. Myxomatosis( Judge, Jury and Executioner) é na minha opinião a melhor música do Radiohead. Da carreira deles. Feito em um baixo sintetizado, traz uma linha orgânica em que a bateria encaixa em cada tempo da voz de Yorke e tem uma pegada agressiva poucas vezes vista no grupo. Ao mesmo tempo segue uma ordem inversa visto no disco, com uma diminuição de volume, acalmando todos os ânimos em sua metade para depois voltar de forma ainda mais intensa.

 

Scatterbrain( As Dead As Leaves) é mais uma ótima lembrança para os saudosistas de OK Computer, e é outra faixa que emana mais uma vez o trabalho daquele ótimo disco. Voz de Yorke, duas guitarras sendo colocadas aos poucos enquanto uma bateria leve deixa que o sentimento passado na música seja interpretado de formas extremamente pessoais. Triste, melancólico ou bonito? Pegue um adjetivo sem ser medo de ser feliz. A Wolf at the Door(It Girl. Rag Doll) termina a obra de forma fenomenal em uma música que tem Yorke interpretando a sua voz de jeito meio Reggae enquanto toda a atmosfera criada é de certa forma poética, quase um romance obscuro sendo contado pelo líder.

 

Hail to the Thief é uma obra esquecida por muitos, devido ao seu timming, 2003, e a efervescência do Indie Rock com The Strokes, The White Stripes e The Hives. Indo no lado contrário do que estava no mainstream na época, o Radiohead criou uma obra extremamente madura, que viria a conduzir os seus trabalhos posteriormente ao incorporar muito bem elementos eletrônicos a orquestrações usuais em instrumentos. Mostra-se também um disco repleto de particularidades, com um clima que refletia muito a época de sua criação. Se você nunca escutou com tanta atenção este disco, posso dizer sem dúvidas que dentro de uma já vasta e mutante discografia, Hail figura dentre as mais criativas, diretas e efervescentes obras do grupo. Saudações aos seus 10 anos!

 

Por: Gabriel Rolim

Último dia do Optimus Alive: Radiohead dominam o cosmos

http://news.bbcimg.co.uk/media/images/61589000/jpg/_61589616_hi015321945.jpg

A música dos Radiohead não é de consumo fácil. Não tem refrãos ‘decoráveis’, não apela à palminha sincronizada, ao ui ui ye ye e nem Thom Yorke é conhecido por palavreado com o público, em que abundam os ‘I Love Lisbon’. Magro, elétrico, entrega-se, contorce-se, mas o contacto imediato de terceiro grau que tem lugar ali é a música e não o espírito de entretenimento que o dá. Frio? Não, pelo contrário. De uma rendição completa, também ela física, de luta, exorcismo e poesia.

Torcemos o nariz a uma atuação da banda de ‘Ok Computer’ num grande palco, para uma multidão. Música desta é para palcos mais íntimos, em que o silêncio anda de mão dada com a celebração e com muito, muito, respeito. Mas damos a mão à palmatória: a música é uma linguagem universal e, no caso dos Radiohead, tão visceral que emudece as mentes mais inquietas. Afinal, o indie, ou estilo alternativo, não é uma questão de números, é uma questão de opções estéticas. Os Radiohead provam-no há duas décadas sem espinhas.

Thom Yorke, Jonny e Colin Greenwood, Ed O'Brien e Phil Selway subiram ao palco às 10h30 da noite de domingo, dez anos depois do concerto no Coliseu de Lisboa (que esgotou em 2002 em menos de 24 horas), num recinto esgotado e ansioso. Todos tinham vindo em romaria ver os cinco magníficos: e nem todos garantidamente porque eram fãs a sério. A moda também pesa nestes assuntos e é impossível negar que gostar de Radiohead tornou-se, nos últimos anos, um ato cool, como ter um Iphone.

Eram 55 mil pessoas em Algés que aguardavam, como é claro, os velhos êxitos, mas que acabaram arrebatadas por um alinhamento que inventou o seu alimento em temas pós 1997, ou seja, pós o apocalipse de álbuns icónicos como ‘Ok Computer’. A escolha foi perigosa, mas os Radiohead não são conhecidos por algum dia terem jogado pelo seguro, e assentou basicamente no álbum ‘The King of Limbs’ . Mas a perfeição e o arrojo são geralmente premiados de êxito e público velozmente se deixou seduzir pelo som que invadiu Algés, acompanhado por um jogo de luz impressionante e por imagens de todos os elementos, a passar em simultâneo nos dois ecrãs.

E ali estavam eles, aqueles que como mais ninguém se atrevem a domar os territórios selvagens do rock e da eletrónica, desprezando o temor da aventura. Caminharem nesse limite, on the hedge, é o ás de ouros de quem atinge a perfeição. Este concerto recordou-nos, como se fosse preciso, que cada música é na verdade uma viagem, em que corpo, mente e espírito – sim, essa entidade vaga com tendência a vaguear por aí – se unem em momentos em que olhar para o palco já não é tão importante como viver a experiência, de olhos fechados, porque o que é bom é raro e precioso.

No final, e como prémio para um público em celebração, vieram os ‘velhinhos’ temas do encore, como "Paranoid Android" ou "Street Spirit (Fade Out). Mas aí, já podia vir qualquer coisa, que ninguém se ia queixar. Tínhamos tido uma trip como há memória de poucas. E sem recurso a drogas.

O obrigado é nosso para eles. Que voltem sempre.

Ler mais: Sapo

O dia em que redescobrimos os Radiohead

No seu último dia, o Optimus Alive esgotou para ver os Radiohead. 55 mil viram-nos recusar o caminho mais fácil. Melhor assim. Mostraram como a sua música ressoa ainda de forma tão poderosa. Entre vários bons concertos, destaque ainda para as Warpaint ou os The Kills.

Fotos de Conceição Pires

(Via Publico) Vivemos um tempo em que a unanimidade quanto à música é inexistente. Não há bandas que congreguem toda uma geração, não há movimentos que levem todos a exibir símbolos de pertença comuns. O mais provável é que sempre tenha sido assim. Mas hoje nota-se mais. O que torna bonito aquilo a que fomos assistindo ontem, domingo, na despedida do Optimus Alive de 2012. Várias reuniões em volta de pequenas unanimidades. No dia em que os 55 mil bilhetes esgotaram. O dia do regresso dos Radiohead, dez anos depois de cinco Coliseus lotados, entre Lisboa e Porto. E foi óptimo ver como a banda de Thom Yorke ocupou o palco sem ceder ao espalhafato cénico ou sentimental que parece ser tantas vezes obrigatório nestes acontecimentos de e para as massas.

O relógio aproximava-se das seis e meia da tarde. No palco Heineken Miles Kane, a outra metade que não Alex Turner, vocalista dos Arctic Monkeys, nos Last Shadow Puppets, rockava como bem rockam os britânicos: coolness a toda a prova, melodia pop bem trabalhada e descargas eléctricas no sítio certo porque, afinal, a Inglaterra foi terra de um boom de blues e tal ficou-lhes inscrito no código genético. Eram seis e meia da tarde e a tenda estava muito bem composta.

Um pouco abaixo, no palco Optimus, o mesmo cenário. A sombra da cobertura do palco marcava o limite do público que se aglomerava para ouvir a limpidez pop dos Best Youth, guiada pela óptima voz de Catarina Salinas. Do palco principal, mais abaixo, erguia-se um rumor. A bateria siamesa dos PAUS, o baixo e os sons que se libertavam dos sintetizadores avançavam a todo o vapor. Ali, às 18h30, estariam tantos quanto os que receberam, no início do Optimus Alive, sexta-feira, os cabeças de cartaz Stone Roses. O ataque rítmico – tudo nos PAUS é ritmo – é rock'n'roll que bamboleia com vivacidade tropical. As canções são libertação de energia num transe que, transe que é, inebria.

“Deixa-me ser”, gritam os bateristas que cantam, Hélio Morais e Joaquim Albergaria – e Makoto Yagyu, o baixista, já navega sobre os braços e ombros do público das primeiras filas. O adjectivo que aplicámos a início – bonito, relembremos – explica-se então desta forma: três concertos em simultâneo num início de dia de festival, período habitualmente consagrado pelo público a ver o que se passa sem se demorar em nada com grande atenção, e os palcos bem preenchidos de gente que parecia genuinamente querer saber o que se passava. Mesmo que, talvez reflexo da baixíssima capacidade de concentração que é marca do nosso tempo, houvesse sempre um burburinho de gente falando muito e muito alto enquanto um concerto, qualquer concerto, decorria. Esse burburinho constante tem sido um clássico nos festivais deste ano. Sendo-o também neste último dia de Optimus Alive, teve luta meritória.

Por exemplo, a do rapaz que, ao nosso lado, funcionou como ponto durante o concerto mais aguardado: cinco segundos de canção e ele gritava-lhe o título com felicidade incontida, a que reunia expressões em vernáculo que o êxtase não conseguia conter, o que desembocava fatalmente no berrar das letras do tema respectivo, em volume tal que o enxame de burburinhos se tornava ruído de fundo muito distante. Mas esse parece ser o efeito dos Radiohead em muito boa gente. Como se a carga emocional daquelas canções, principalmente as do período mais canónico no contexto rock – até Ok Computer, portanto –, fosse o som de uma vitória: a felicidade que sobressai da descida às profundezas da alma. Não é bonito depararmo-nos com elas – “God loves his children”, rosnou Thom Yorke, cruel e sarcástico, no final de “Paranoid android” –, mas o efeito de catarse gerado tem um poder indesmentível. Isso, porém, era antes. Era no século passado.

Os Radiohead que estiveram em Algés são algo mais. Uma banda que mantém a aura de independente quando já atingiu um estrelato massivo e transgeracional. Uma banda que funde pulsar electrónico convulsivo com experimentação rock sem alienar nenhum dos dois universos. E uma banda que age em palco sem que nada a distraia do essencial: as suas canções, a sua música, a sua expressividade.Não há conversas para distrair, além de um “boa noite” a início e, mais à frente, a cortesia da declaração “dez anos é muito tempo, vamos tentar que não seja tanto da próxima vez”. Neste concerto, existiram as canções de King of Limbs, como “Bloom”, a primeira, que ganham uma dimensão física que o álbum não revelava. Existe a incrível precisão da banda, máquina com coração humano que não falha um segundo que seja. Existe Thom Yorke, de barba rala e rabo-de-cavalo, dançando e contorcendo-se de forma histriónica, qual xamã apocalíptico respondendo ao impulso do ritmo quebrado de Phil Selway, o baterista, das linhas de baixo de Colin Greenwood, e dos riffs inesperados e das manipulações eléctricas de Jonny Greenwood e Ed O'brien.

Não foi um concerto de festival, no sentido facilitista do termo. Os Radiohead nunca cá andaram para apaziguar o coração (com nostalgias ou qualquer outro conforto). In Rainbows e King of Limbs, os dois últimos álbuns, estiveram bem representados no alinhamento. “Pyramid song” atirou-nos para os mistérios fora deste mundo de um jazz que se mutou noutra entidade, indefinível. “There there”, do mal amado Hail To The Thief, foi assomo rock tardio e “Bodysnatchers”, a última antes do primeiro encore, um assalto de rock'n'roll irado e conturbado. Neste contexto, a estelar “Climbing up the walls” ou a desolada “Exit music (for a film)”, acompanhadas de palmas suscitadas pela felicidade do reconhecimento, não chegam até nós como êxitos desligados de um corpo de obra comum.
Os Radiohead apresentaram-se em Portugal. Totalmente. Sem concessões. Do frenesim rítmico de “Bloom” à sequência de despedida com “Paranoid android”, “Everything in its right place”, “Idioteque” e, num último encore, “Street spirit (fade out)” – a canção mais distante, a única de “The Bends” –, ficou essa que é a principal angústia e a inspiração primeira da banda. “Fade out, again”, cantou Thom Yorke, uma e outra vez, no final. Anulamo-nos. Desaparecemos. Silêncio.

King of Limbs pode ter sido, como o classificou Thom Yorke, um álbum invisível. Os Radiohead podiam até parecer memória de um tempo que já não é este que vivemos. Pois bem, o concerto no Optimus Alive serviu para mostrar a força com que esta música ainda ressoa no presente. Foi, como se esperava, mas não da forma que se esperava, o momento alto de um dia com a sua mão cheia de bons concertos.
No palco principal, os Kooks foram de uma competência nada ofensiva – é fácil trautear as canções ao fim do primeiro refrão –, mas não deixam muito que contar. São a tradição pop britânica em piloto automático, preparada para alegrar grandes eventos. Algo nos antípodas das Warpaint, que actuando a umas muito diurnas 19h15, no Palco Heineken, não deviam ter-se surpreendido com a reacção dos muitos que as aplaudiram e que reconheceram canções como “Undertow” aos primeiros acordes. Vozes belíssimas derramadas sobre guitarras que divagavam em tangente ao rock'n'roll, que espiralavam até “the stars above the ceiling” e, num final irrepreensível, que seguiram o andamento funk-punk da secção rítmica, tão contagiante quanto o “House of jealous lovers” dos Rapture.Depois das Warpaint, e porque o cartaz suscitava correria para tentar tudo ver, houve no palco principal o festim electro-psicadélico de Caribou, a quem a luz do dia não parecia fazer justiça, a preparar terreno para a hibridez orgânico-digital e para a euforia em queda existencialista dos Radiohead. Houve, quase ao mesmo tempo, B Fachada acompanhado de nada mais que sintetizador e caixa de ritmos, a mostrar como “Afro-chula” é perfeita como canção de apresentação do álbum Criôlo que sairá brevemente. Digamos que a chillwave ganha nervo, ironia e corpo suado e se põe a dançar com ginga africana numa Ibiza inventada em Trás-os-Montes – no final, chegou “Deus, Pátria e Família” e o bom tornou-se (ainda) mais sério.

Enquanto ao longe as luzes do palco principal faiscavam com o crescendo de intensidade de Caribou, no outro extremo do recinto, no palco Heineken, tudo era discrição e fragilidade. Em concerto e a ouvidos desconhecedores, percebemo-lo agora, a música dos Mazzy Star passa facilmente despercebida. A sua intensidade só se revela a quem já tenha com ela uma relação de intimidade, a quem carregue consigo as composições de David Roback e a voz de Hope Sandoval – que continua com o poder encantatório que lhe ouvíamos há duas décadas. Para esses, “Hallah”, “She hangs brightly” ou “Ghost on a highway”; o country-rock como embalo dolente e o blues como fogo lento dos Mazzy Star são uma delícia – negra e por vezes tortuosa, mas delícia. Isso, nem um certo titubear da banda consegue azedar. Mas num concerto em festival, os Mazzy Star não se chegam a revelar a quem não tenha com eles essa intimidade. São a sombra de qualquer coisa e passam despercebidos. Ouviu-se “Fade into you” e, passada a canção que todos conhecem, deu-se a debandada. Havia uma razão de peso – os Radiohead que estavam prestes a entrar em palco. Mas não deixa de ter o seu quê de sacrílego abandonar Hope Sandoval quando, por fim, podemos vê-la e ouvi-la. Quando podemos confirmar que é real e não uma assombração.

Naquele mesmo palco, madrugada dentro, o Optimus Alive mostraria ter ainda, acabado o concerto de Radiohead, umas quantas horas mais de vida viçosa. Primeiro assistimos ao renascimento dos Kills. A agora loura Allison Mosshart e Jamie Hince já não fazem do concerto uma corte sexual alimentada a blues e rock'n'roll. Allison e Jamie, acompanhados de coro e quatro percussionistas em tarolas e timbalões, olham de frente o público, outrora voyeur de um flirt prolongado, e, da mais recente “Heart is a beating drum” às “Kissy kissy” ou “Fuck the people” dos primórdios, tornam-se viagem empolgante pelo “wild side” cantado por todos os bluesman e vertido em canção por Lou Reed – a interrupção do concerto depois de alguém desfalecer entre a assistência pode ser usado como prova disso mesmo.

Naquela tenda que é o palco Heineken, o Optimus Alive prolongou-se noite fora com os Kills e assim continuou com os Metronomy. Em clima de festa. Muito pop, muito funky, muito 80s de bom gosto e bons movimentos de dança. Eram quase quatro da manhã e, pelo número dos que dançavam, por aquele rapaz que decidiu escalar a estrutura de suporte para ver melhor o palco, pelo clima de euforia que ali se vivia, diríamos que a festa estava longe de chegar ao fim. Um cenário, digamos, bonito.

review: Radiohead e a estranha alegria de Thom Yorke

Por: ALEXANDRE LOPES, DE MIAMI

Via (Rolling Stone) Muita gente torceu o nariz para o Radiohead depois do lançamento do álbum The King of Limbs, no ano passado. Tão difícil quanto o experimental Kid A, o disco descarta refrãos fáceis e melodias grudentas, optando pela mistura de percussão com música eletrônica e trazendo à tona, à primeira vista, os momentos mais introspectivos do grupo. Mas essa qualidade “hermética” caiu por terra no primeiro show da nova turnê da banda, em Miami, nesta segunda-feira, 27.

Se o clipe de “Lotus Flower” virou sucesso de internet por conta da dança performática de Thom Yorke - que antes era restrita apenas aos momentos mais dançantes de músicas como “Idioteque” e “The National Anthem” -, o que se vê no Radiohead agora é que as novas composições servem como meio para extravasar ainda mais essa forma de expressão do líder do grupo. Ao subir no palco da American Airlines Arena trajando camisa branca, colete preto, calças vermelhas e ostentando um curto rabo de cavalo, Yorke pareceu passar por cima do espectro dos anos 90 e da imagem do rockstar desolado que construiu para si na época.

Clique aqui para ver fotos do show.

E essa tendência também é conivente com o repertório do show. The King of Limbs foi tocado praticamente na íntegra (apenas “Little By Little” ficou de fora). Clássicos dos dois primeiros discos foram ignorados, e foram incluídas somente três músicas da célebre era OK Computer – “Airbag”, “Karma Police” e o improvável lado-b “Meeting in the Aisle”. Além disso, o grupo também aproveitou para debutar ao vivo duas composições inéditas, “Identikit” e “Cut a Hole”, que solidificam a tônica da vez do Radiohead: canções construídas por repetições eletrônicas e escassez de guitarras, mas com o potencial percussivo reforçado pela participação de Clive Deamer (jazzista que já colaborou com nomes como Portishead e Jeff Beck) como baterista adicional na nova turnê.

Com o repertório renovado por essa nova química e um palco com pequenos telões e luzes com efeitos variados, músicas como “The National Anthem”, “Morning Mr Magpie”, “Feral” e, logicamente, “Lotus Flower” desencadearam a catarse no público e renderam boas oportunidades para que um agitado Yorke trocasse as guitarras por teclados e fosse à beira do palco arriscar passos de dança com movimentos semelhantes a surtos epiléticos (como os de Ian Curtis, do Joy Division). Claro, o Thom Yorke depressivo e esquisito não ficou definitivamente para trás (ele ainda apareceu em faixas arrastadas conduzidas ao piano, como “You And Whose Army?” e “The Daily Mail”), mas pode-se dizer que ao menos nesta noite Yorke estava mais carismático do que triste.

Nem mesmo um erro técnico do guitarrista Jonny Greenwood em “Give Up The Ghost” estragou a espontaneidade de Yorke: ao perceber que o músico passava por problemas com sua aparelhagem, o vocalista parou de tocar o violão e recomeçou a canção. O frontman parece ter deixado de lado a postura insegura e cheia de autocomiseração de antes, tanto que, durante o segundo bis, fez questão de puxar o coro da plateia ao final de “Karma Police”, como aconteceu nas apresentações que o grupo fez no Brasil, em março de 2009. E o esquisitão foi prontamente correspondido pelo público: “and for a minute here I lost myself, I lost myself...”.

Veja abaixo o set list do show:

“Bloom”
“The Daily Mail”
“Morning Mr Magpie”
“Staircase”
“The National Anthem”
“Meeting in the Aisle”
“Kid A”
“The Gloaming”
“Codex”
“You and Whose Army?”
“ Nude”
“Identikit”
“Lotus Flower”
“There There”
“Feral”
“Idioteque”
“Separator”

Primeiro Bis:

“Airbag”
“Bodysnatchers”
“Cut a Hole”
“Weird Fishes/Arpeggi”

Segundo Bis:

“Give Up The Ghost”
“Reckoner”
“Karma Police”

+ review: the king of limbs

Por: Cezar

TKOLPackshot2

Após o hiato do Hail to the Thief, Radiohead abandonou a Parlophone (EMI) e assinou com o selo TBD Records (que também assinou com Autolux, e Port O'brien e afins). O disco sucessor, In Rainbows, foi lançado com uma inovadora e bem sucedida manobra de marketing. Mas não parou por aí: House of Cards ganhou um video-clipe também inovador, sem o uso de câmeras ou luzes, All I Need serviu de trilha para uma campanha contra o tráfico humano, e 15 Steps fez parte da trilha sonora de Twilight - ninguém é perfeito. O In Rainbows, em sua estética, promete ser pop, sem abandonar a pretensão característica, mas deixando claro que a banda quer do Rock apenas o dinheiro que ela lucra em royalities com seus 3 primeiros discos.


Sem muito alarde e expectativas, a banda anunciou o lançamento de The King of Limbs apenas na Internet, e em dois veículos de mídia social: o seu blog oficial, e na sua conta do Twitter. Quando foi anunciado, o disco foi disponibilizado em um sistema de reservas, que prometia ou um Kit de luxo, ou o disco físico enviado para a casa do feliz comprador, além da possibilidade de download da mídia a partir da data de lançamento. Tudo restrito e pago, diferente do In Rainbows. A obra foi produzida por Nigel Godrich.


Quem está familiarizado com a aparência do som da banda, já está acostumado com baterias eletrônicas que soam desarmônicas, mas que ao longo da execução se encaixam perfeitamente com os outros elementos da música. Iniciando o album com um instrumento que tornou-se obcessão para Thom Yorke a partir do Amnesiac, o piano, acompanha-se logo mais de um loop de pequenos ruídos sintéticos, a medida que duas notas das teclas inicias se repete ao longo da música. Uma repetição de bateria também se inicia logo mais, junto com uma linha de baixo que também se repete. Uma guitarra base e discreta sem um pingo de distorção - é de se acostumar com isso até o final do disco - também figura em Bloom. No ultimo terço da música, as ambientações de J. Greenwood com o teclado, em mescla com a voz de Thom Yorke que floresce em reverb progressivo cantando "And while the ocean blooms, It’s what keeps me alive" e "I’m moving out of orbit, turning in sour salt", provável citação a ameaça da água no planeta.


"Good Morning, Mr Magpie, how are we today?" Com notável citação a lenda dos Magpies nas ruas britânicas, Morning Mr Magpie inicia-se com instrumentos reais e pouca presença de sintetizador (apenas uma nota em sampler que se repete em background durante grande parte da música). Percebe-se duas guitarras lançando notas mudas e uma base a direita, a linha de baixo que quase não varia. Na metade há uma pausa que dá espaço a uma pequena bateria eletronica com o baixo, e dá destaque a três ruídos parecidos com batidas em madeira, e um sintetizador que progrede. Daí, para o final, se tem espaço a algumas firulas de produção que sela uma conclusão para a música. Took this melody and good look.


Paixões sem compromisso para distração, e para sair da rotina figuram em Little By Little. Mas há o alerta: "Once you’ve been hurt, You’ve been around enough". Bateria e percursão contínua que se interrompe no refrão, em combinação com uma linha de baixo que se repete pela música dá impressão de que o ouvinte está participando de um ritual. A guitarra ganha um drive discreto, e inclui-se efeitos de produção com sons reversos, lembrando mais ainda uma atmosfera hipnótica.


Feral é a instrumental do disco. Uma bateria contínua, com poucas variações, e uma linha de baixo que acompanha Thom Yorke resmungando num vocoder que dá a devida ambientação a música. Sintetizadores também marcam presença para auxiliar na imagem psicodelica.


Não era de se duvidar que uma das músicas mais fáceis de digerir do disco fosse virar single. O vocalista da banda dança sozinho, no escuro, e prova do que a melodia prega: desinibições, transpor limites, fazer coisas impulsivas e inconsequentes e ouvir o seu coração "just to see what if, just to see what is". Essa parece ser a música mais "cantarolante" do disco, em que a letra acompanha-se de um baixo contínuo no início e que varia ao longo da música, e de uma bateria acústica. Diferente das outras, o sintetizador entra em destaque nessa música, fazendo guitarras irem para o segundo plano e servirem de retoques. "Slowly we unfold as lotus flowers" e provar que também conseguiremos dançar Lotus Flower. (Enquanto Thom Yorke vira meme)

Em ritmo slow down, Codex lembra bastante a trilha sonora de um sonho, uma miragem, um delírio. Em mescla com a letra, chega-se a pensar que a música trata do delírio do puro, da libertação total, do zen. A letra descreve um cenário com um lago limpo, libelulas, deixando claro que "no one gets hurt" ou "you've done nothing wrong". A música começa com um suspiro, interrompido com piano, como se tudo acontecesse em outra realidade. Há uma discreta bateria eletronica durante a música, com o choro vocal em segundo plano; e a adorável presença de metais e alguns sintetizadores, tudo tendendo a atmosfera psicodelica.


Enfim uma canção acústica com violão voz, somada com o majestoso talento radioheadiano de produzir arranjos maravilhosos. Give Up The Ghost foi executada antes de ter nome em um show, no ano passado, e contava com um sistema excêntrico de back voices: com dois microfones, um deles conectado a um equipamento de gravação que repetia os sons gravados em tempo real, em uma certa frequência, e outro com o vocal principal. Certamente, a apresentação da obra ao vivo surpreenderá mais do que a execução compilada, mesmo esta sendo impecável, com direito a cantos de passaros discretos. "Don't Haunt me, Don't Hurt me, In your arms" é uma ode a tentativa de superação de fantasmas das magoas e rancores.
Como de costume, o disco termina em grande estilo. Separator é uma música em que cada membro parece assumir o seu devido lugar. O baixo não soa massante e repetitivo como nas outras baixas, Phil S. bate num ritmo a lá hiphop do Dj Shadow, um sintetizador acompanha a música toda harmonica e progressivamente, e um solo de guitarra gracioso marca o final. "It's like I'm falling out of bed (…) When i ask you again wake me up" aponta o momento exato em que o sujeito é acordado de um sonho por alguém que talvez o título se refere, responsável por delimitar a amarga realidade dos delírios descritos.
Mas afinal, quem é o tal Rei dos membros? Como custo acreditar que uma banda tão renomada produz um disco com esse nome sem se preocupar com o significado do mesmo, formulei uma teoria.

Cada faixa trata de emoções, características de uma personalidade ou impulsos afins produzidos pelo cerebro, como o conformismo (em Bloom), supertições (Morning Mr Magpie), compromissos amorosos - e a falta de tal (Little By Little), a selvageria ou o instinto a flor da pele (Feral e seus resmungos), sonhos (Codex), fantasmas do passado (Give Up The Ghost) e o acordar para a realidade e seus sentidos (Separator). Concorda? Tem alguma teoria?

Via (verymuchalive)

[Review] In Rainbows



por Ruth Queiroz


How come I end up where I started?

O verso/pergunta que abre o disco talvez defina a temática Radioheadiana do novo álbum, em outro momento se diria “Down is the New up”, todo fim é o começo. Sétimo e mais polêmico da banda, lançado em 10 de Outubro de 2007 em uma versão digital para download com a grande questão “o quanto você acha que vale”, em 3 de Dezembro do mesmo ano em uma caixa contendo dois CDs e dois discos de vinil .

Assim, com 15 Step, um som inusitado com pegada afrobeat (graças talvez, ao um ano que Jonny Greenwood ouviu apenas esse ritmo, segundo a Rolling Stone), com batidas lembrando um ritmo quase tribal, passando para um fantástica linha jazzie de baixo. Em letra original ele traria “friends forever, fifteen steps then a sheer drop” “amigos para sempre, quinze degraus então, numa gota transparente” o que facilmente nos remeteria a uma interpretação que nos levasse aos 15 anos da carreira, a um momento onde tudo fica claro, isso sabendo das tensões que a banda passou para que o álbum saísse! Mesmo a letra lançada “Fads of whatever” nos leva ao mesmo ponto. Letras e músicas irônicas, nenhuma linearidade em ambas, trazendo a canção mais dançante e instigadora ao movimento do álbum.

Bodysnatchers com riffs alucinantes de guitarras de Ed O’Brien, Jonny Greenwood e Thom Yorke, nuances que trazem na letra o “coma”, a tensão da reflexão de que nada pode ser mudado “I am trapped in this body and can’t get out”, a aceitação do “é assim que sou por mais que lute contra” a incerteza século 21, o continuar simplesmente e ver no que vai dar, o que por fim, vai ser a temática de todo álbum “a não certeza de nada, dúvida sempre, mais de um caminho possível”, e a grande verdade artística “I”m a Lie”assim, reafirmando as “contradições” que aparecerão por todo o álbum.

A belíssima e inebriante Nude traz um ambiente de musicais e grandes interpretações vocais com um Thom Yorke quase “piaffiano”, falsetes magníficos, contrastando com uma letra insinuante e sensualmente instigante, irônica e quase satiricamente aconselhando que as “grandes idéias nem sempre acontecem”. Os acordes refeitos por Colin Greenwood, mudando um pouco a versão anterior de “Big Ideas”
Reavivada com acordes simples de guitarra, bateria minimal, baixo dando um climão de fundo musical para enlace romântico.

Weird Fishes/Arpeggi, segundo a própria definição” O arpejo é uma forma de executar os tons de uma corda: em vez de tocá-los simultaneamente, são ouvidas em rápida sucessão, geralmente a mais grave aguda.” assim, Arpeggi é o som mais complexo do IR, as cordas arpejantes com bateria intensa e ritmada de Phil Selway. O baixo reproduzindo a tensão Junguiana da letra, essa, teria sido segundo Thom Yorke, um sonho que teve, de ser engolido por peixes estranhos. A parte dessa idéia, a letra traz a dúvida existencial “ o porquê e o para quê” ir ou ficar “Why should I stay here” seguir ou esperar “I’d be crazy not to follow, follow where you lead”, questão lindamente resolvida do entendimento que é necessário chegar ao fundo para conseguir emergir e sair “I’ll hit the botton and escape”. Talvez em sua complexidade, letra e música, seja a mais bela canção do disco, ao menos, a mais densa.

All I Need é a linda e hipnotizante canção que prima em suas linhas de contrabaixo pelo intenso, contrastando com o xilofone tilitante de Jonny Greenwood, dando uma sonoridade espacial , vocal grave demonstrando a densidade da letra desalentada, ao mesmo tempo que pode demonstrar a certeza de saber que o outro é “All I Need” , em momentos mostrando uma insignificância de ser “I'm an animal trapped in your hot car, I am all the days that you choose to ignore” ou “... just an insect trying to get out of the night”, o que culminará na dúvida em questão do álbum “S'all wrong...S'alright”.

Faust Arp, dois violões ilustrando de forma simples a bela canção que paradoxalmente ao conto lendário de Fausto “homem das ciências que, desiludido com o conhecimento de seu tempo, faz um pacto com o demônio Mefistófeles” (esse será relembrado em Videotape) ao qual inevitavelmente nos remetíamos. A letra demonstra pequenos conflitos cotidianos que vão encerrar na questão maior “For no real reason... There's no real reason”, enfim, não é essa a questão. Delicada e simples, ela nos traz uma sensação de momento de parada para o deleite.

Reckoner parece ser o âmago da questão In Rainbows, como ela mesma diz em seus versos “fomos separados sobre ondulações da areia branca , sob o arco-íris” lembrando de que “na emocionante aventura da vida formaremos o arco-íris humano, sinal concreto de harmonia e equilíbrio.”, ensinamento budista. Os acordes repetidos e brandos, serenamente organizados, lembram um som monástico, o vocal em constante falsete, dá a ela um clima de quase meditação. Outra linda canção que parece, conseguiu o pretendido, tremenda paz e deleite ao ouvir.

Os acordes simples de House of Cards trazem com a letra, de volta a questão de que “não importa como isso vai começar ou terminar” , demonstrando no entanto, de relacionamento onde há os perigos da negação do existir, De novo, contrastando a simplicidade de som em clima relaxante, com uma pegada quase “bossa nova” encontramos a densidade instigante da letra, demonstrando toda uma tensão de uma estrutura prestes a ruir, entrar em colapso, a incerteza há de vir e o conflito sempre presente “
Jigsaw Falling in to Place e sua letra definindo a temática apresentada diz “there is nothing to explain” talvez, remetendo às tão faladas linhas ou não de guitarras trazidas até OK Computer, negadas em Kid A, retomadas de Amnesiac em diante, parece afirmar “o quebra cabeça se encaixa, antes que me tirem o microfone” é isso o que a banda quer dizer. Repleta de cordas desajustadas e distorcidas, um som empolgante em que ao ouvi-lo, dificilmente se consegue ficar parado.

“today has been the most perfect day i've ever seen” é essa a grande mensagem trazida na tristonha Videotape, com batidas desoladas ao piano, crescendo depois pra uma sonoridade que lembra fita VHS encerrada ao esquecimento, em repetidos sons de percussão lembrando um aparelho igualmente solitário, indo e voltando. A lembrança através das imagens, de momentos de conflito, tolhidos entre bem e mal “When mephistopholis is just beneath” constatando após “You are my centre when i spin away” mas que ainda assim, teria que haver uma despedida.

Essa canção encerra o álbum, novamente citando matéria da Rolling Stone, contrariando a vontade de Nigel Goldrich, produtor musical da banda, e de Thom Yorke, o que nos leva a pensar que toda a ambiência de fim trazida por ela, nada mais é para ambos, o começo de algo que faria desse fim “o mais perfeito dia já visto”.

(Review) Kid A – 2000

6a00e55007daf088340120a561c4e2970b-500pi

 

 

Como as décadas finais de pelo menos dois séculos anteriores, os anos 1990 foram marcados por uma retrospectiva dos 90 anos anteriores, aglutinando em células compactas de conhecimento

tudo aquilo que a centena de anos completa ao final da década quis dizer pausadamente. Mas a década que encerrou-se no final do ano passado foi caracterizada por outros sabores: a ironia e o excesso de informação.

 

Associadas, estas duas qualidades despem a grande verdade sobre a sociedade capitalista às vésperas do novo milênio, um paradoxo em escala planetária que nos emburrece à medida que mais aprendemos. O saber está no ar, mas ninguém está interessado em mostrar como usá-lo.

Na música pop, estas características foram detectadas pela primeira vez pelo U2. Embora ecos destas qualidades já viessem cantando os 1990 por caminhos alternativos na década anterior (como os discos Paul's Boutique, dos Beastie Boys; Pills'n'Thrills and Bellyaches, dos Happy Mondays; e Into the Dragon, do Bomb the Bass), foi apenas com Achtung Baby que elas se encontraram com o teor que filtrou a década. Ali estão a paixão pelo virtual frente à realidade ("Even Better than the Real Thing"), referências à história do rock ("Who's Gonna Ride Your Wild Horses?", "One"), paranóia ("The Fly") e um misto de expectativa com esperança ("Zoo Station"). "Você? Você estava falando do fim do mundo", debochava Bono enquanto mudava radicalmente o visual de sua banda, abandonando a pose de sacerdotes do rock e entrando num terreno estranho à sua antiga religião: a música eletrônica, um carnaval de ritmos e cores fundido com o preto e branco ríspido do fotógrafo Anton Corbijn. O disco de 1991, no entanto, não funcionava sozinho. Vinha acompanhado de uma extensa turnê dividida em três fases (Zoo TV, Zooropa - que acabou virando disco - e Zoomerang), que assistia a banda entre dezenas de monitores de TV e automóveis pendurados no palco, numa clara alusão à deselegância burra pré-colapso do capitalismo. Numa fantasia de caubói prateada, Bono rasgava notas de dólar enquanto, como pastor evangélico, anunciava que teve "uma visão": "TELEVISÃO!", berrava frente ao câmera que, do palco, registrava tudo pelas telas espalhadas no show. Juntos, a Zoo Tour e Achtung Baby deram o tom "rir pra não chorar" que acentuou-se nos anos 90.

 

A ironia virava fórmula e todas as mídias passaram a usá-la, primeiro o cinema, depois a TV, caindo no gosto popular e reverberando, assim, por todas as formas de comunicação. Falar a verdade era constrangedor demais - ou melhor, falso demais -, por isso era melhor fingir querer dizer justamente o oposto, finalmente, desta forma, atingindo seu objetivo. Passamos a ler textos que nos fingiam contar o contrário do que realmente queriam dizer, ouvir músicas que ridicularizavam o hábito de ser humano, ver filmes cujo verdadeiro tema só é desvendado da metade para o fim, contradizendo tudo que havia sido visto desde o começo. A propaganda passa a se ridicularizar na tentativa de ganhar crédito com o consumidor. Tudo é muito falso, todo mundo sabe; então porque não assumimos falsamente esta falsidade? Era isso que a ironia nos anos 90 significou: uma espécie de afirmação de identidade cultural às avessas, corrompendo nosso entendimento da realidade numa mão dupla, que ao mesmo tempo que acende uma vela pro sim (afirmando algo), acende outra pro não (ridicularizando aquilo que está sendo afirmado, simultaneamente). Sem um, nem outro, caímos na década do "tanto faz", em que as pessoas passaram a fazer exatamente o que o capitalismo queria, plugando-se às necessidades consumistas como se estas fossem responsáveis pelo bem estar espiritual - não material. Até Alanis Morrissette, em seu maior hit, perguntou: "Não é irônico?".

 

É neste cenário que o Radiohead surge como força disposta ao desequilíbrio. O grupo surgiu na Inglaterra no começo dos anos 90, mas só conseguiu fazer sucesso nos Estados Unidos, graças ao hit "Creep" (do LP Pablo Honey, de 93), ganhando primeiro o público, depois a crítica americana. "Você é tão fucking especial", sussurrava o vocalista Thom Yorke, "mas eu sou uma coisa, sou um esquisito". Só ganhou algum reconhecimento em seu país ao se levar mais a sério em The Bends, de 94, onde deixavam de falar de relações cotidianas para contemplar a sociedade moderna como um todo, num dos primeiros discos conceituais da década (tantos viriam depois). O grau de importância do grupo foi crescendo tão logo eles ganhavam intimidade como músicos, contemplando possibilidades diversas a partir do formato três guitarras (Yorke, Jonny Greenwood e Ed O'Brien), baixo (Colin Greenwood) e bateria (Phil Selway). Reinventando o rock clássico como fazia o indie rock americano na metade da década passada (com uma certa dose de ironia, claro), o Radiohead chamava cada vez mais atenção.

Até que atingiu seu auge com o clássico inato OK Computer, ácida descrição da sociedade capitalista sem ironia nenhuma. Ao reproduzir as normas do novo dia-a-dia sem se preocupar com sentido lírico (quase todas as composições do disco de 97 empilhavam referências e situações sem o comprometimento com o sentido), ia nos vestindo com a roupa do andróide paranóico que a vida consumista de hoje nos transformou. O disco também antecipava a invasão techno ao mercado que aconteceria naquele mesmo ano (com os discos Dig Your Own Hole, dos Chemical Brothers; e The Fat of the Land, do Prodigy), mas apenas nas entrelinhas - a produção sci-fi de Nigel Godrich deixava apenas um ar eletrônico no álbum. Sem contar a música em si, as progressões guitarreiras que mudavam a atmosfera das canções, dando uma dinâmica inédita ao som do grupo. Incensado pela crítica, OK Computer tornou-se padrão de excelência do rock dos anos 90.

E o que fazer depois disto? Depois que toca-se o céu, resta outro rumo senão a queda? O grupo passou a dedicar-se a uma turnê em que viu-se condicionado ao máximo do capitalismo que criticavam. Laureados como a mais importante banda de rock do mundo, o Radiohead tentou lançou um EP (Airbag / How Am I Driving?) e dois vídeos (a coletânea de clipes 7 Television Commercials e o homevídeo Meeting People is Easy) na tentativa de esgotar a responsabilidade em torno do próximo álbum. Em vão: cada produto lançado era recebido como prova que o sucessor de OK Computer vinha aí.

A solução seria eliminar os parâmetros conhecidos e assim o grupo começou a trabalhar: Thom Yorke desencantou-se com a melodia e passou a procurar alternativas rítmicas. Ed O'Brien queria um disco curto, enxuto, com canções simples e diretas. Colin preferia um álbum mais aprofundado na eletrônica, mas sem soar "techno". Kid A (EMI) é o produto das cinco (seis, contando o produtor Nigel) perspectivas de como o grupo fugiria do formato OK Computer.

O resultado é um disco árido, tenso, pós-rock, ermo - adequado para o ano 2000. Enquanto a quantidade de informações contida no álbum anterior dava um aspecto de poluição visual ao disco, o novo álbum elimina recursos visuais em favor de uma música sem rosto, sintética, ciborgue, futurista. Mas enquanto o futuro de OK Computer era hi-tech e bucólico, o de Kid A é vago e ameaçador, como se o espírito de máquinas mortas sobrevoasse por cima de desértica paisagem pós-apocalíptica.

O disco abre com teclados lunares que reverberam ondas eletromagnéticas que funcionam como uma canção de ninar por onde Thom Yorke pode improvisar apaixonadamente a letra. "Tudo está no lugar certo", ele canta ao começo do disco, repetindo os versos à medida que a canção se robotiza, cada vez mais. Entra a faixa-título, novos teclados (e caixa de música marcando o andamento, ao lado de uma bateria de bebop) descortinam o caminho para a entrada do vocal, um zumbido metálico que com certeza canta algo, mas em idioma indistinguível. A voz de Yorke é distorcida por um aparelho pré-histórico chamado Ondes Martenot (usado na trilha de Star Trek) e remete ao Menino A, o primeiro clone humano, como reza a mitologia radioheadiana.

Esta forma carinhosa que o grupo se refere à pioneira cópia de DNA humano posta em prática num laboratório (que poderia se chamar qualquer coisa mas é reconhecido com uma intimidade familiar) torna possível outro paralelo com Stanley Kubrick, o maestro cineasta cuja pompa e pulso firme à direção, já que OK Computer remetia instintivamente a 2001 (quando a máquina contra-ataca). No novo disco, o Radiohead contempla A.I., a ode não-filmada do cineasta à robótica, em que ele assume que as máquinas são herdeiras do legado humano, nossos descendentes. O grupo vai além e pensa no clone como descendente, a máquina perfeita projetada pela natureza e reprogramada de acordo com nossa vontade. Mas que vontade? Racional ou instintiva? O grupo deixa a resposta em aberto, por enquanto.

"The Nation Anthem" nos apresenta ao baixista da banda, Colin Greenwood, que puxa um groove funk pesado que escurece mais ainda à entrada de um time de metais reverenciando os graves pesos-pesados de John Coltrane. Em falsete, Yorke canta a vontade e a disposição de mudar, que aos poucos impregna o inconsciente coletivo: "Todo mundo por aqui / Todo mundo vai parar aqui / O que está acontecendo? / (...) / Todo mundo vai parar aqui / Todo mundo vai parar o medo / O que está acontecendo?". Ao citar literalmente o nome do mítico disco político de Marvin Gaye (What's Going On? - O que está acontecendo?), o grupo nos lembra que os tempos atuais são tão (ou mais) interessante que os anos 60 que inspiraram Gaye a se perguntar sobre a ordem mundial. O grupo prega decisões coletivas como a melhor forma de ir contra o individualismo robótico e passivo de OK Computer. Não é nenhum pouco diferente do que a simbólica luta anti-FMI / OMC / Banco Mundial que já nos deu notórias batalhas como em Seattle (no ano passado) e Praga (semana passada).

"How to Disappear Completely and Not Be Found" finalmente apresenta os violões, enquanto o vocalista nos lembra que o filme Matrix é na verdade uma metáfora da nossa situação atual: "Eu não estou aqui / Isso não está acontecendo", balbucia Yorke, enquanto o disco vai ficando cada vez mais lento, atingindo seu ponto máximo de estática na instrumental "Treefingers", entrando vagarosamente no terreno gelado das brancas vibrações eletrônicas de Brian Eno. "Optimistic" poderia ser irônica caso se referisse à sociedade (ainda mais com este título - "otimista"). Mas a paisagem que o grupo vê é pós-civilização e o otimismo a que se referem é um abandono das tecnologias, uma volta à natureza, onde a lei da selva - perfeita - reina soberana: "Os peixes grandes comem os pequenos", canta a letra sobre guitarras psico-metálicas que poderiam ter saído de LED ZEPPELIN III, "tente o melhor que você pode / O melhor que você pode é o suficiente". "In Limbo" parece apenas descritiva, ecos e guitarras dissipando conforme a paisagem é mostrada: "Estou do seu lado / Não há onde me esconder / Estou perdido no mar / Você está vivendo uma fantasia / Não se importe comigo", num novo ataque ao individualismo.

O ritmo marcial technopop que soa através de "Idioteque", marcando um compasso eletrônico por onde a sociedade do desperdício é cruelmente descrita, em vocais familiares (mas entrelaçados de uma nova forma) de Thom Yorke: "Deixa eu te dizer que você é o primeiro / Eu vou rir até minha cabeça sair / Eu vou engolir até explodir / Já vi muito / Já vi tudo / A era glacial está vindo". Descreve os seres humanos como dinossauros às vésperas da extinção, porque já ultrapassaram o limite de consumo de recursos naturais. O sotaque techno (proveniente da atual obsessão do grupo: a gravadora Warp) só ajuda a entender a crítica do grupo, que vai de encontro à letargia e o subsequente estado de automação que o ser humano aos poucos vai se submetendo - o ponto central de OK Computer. Em "Morning Bell", o grupo volta ao campo da melodia do último álbum (até certo ponto ignorado no novo disco) e como um aparelho de TV ligado durante um bocejo matinal despeja informações de forma vaga e desencontrada - "Eu não conheço o assassino", "Onde você estacionou o carro?", "E todo mundo mente para mim", "Todo mundo mente nas pesquisas" e o golpe final "Todo mundo quer estar lá / Todo mundo quer ser o mesmo / Andando, andando, andando, andando". A vida moderna é um tédio.

Kid A termina com a melancólica "Motion Picture Soundtrack": "Pare de mandar cartas / Cartas sempre queimam / Não são como os filmes / Que nos enchem de mentiras brandas", divaga o vocal triste e tímido do final, que enuncia um clima de felicidade mágica à Walt Disney (orquestras cheias de harpas dedilhadas) por baixo do tremor original do álbum. Estamos no meio de uma cratera, depois da bomba explodir. Esta bomba é o século 20, que se engole cada vez mais à medida que chega ao fim. Quando 2000 passar, zera tudo. É contemplando este futuro que Kid A sorri. É um sorriso estranho, não-humano, pensativo. Mas feliz e esperançoso, como há muito não víamos.

Matéria encontrada em : Trabalho Sujo

(Review)Radiohead – Hail To The Thief

Radiohead-Hail_To_The_Thief-CD

 

 

 

A constatação desconsoladora de um mundo de cores cada vez mais sombrias e transbordando referências por todos os poros - como uma engrenagem psicodélica , indomável e onisciente - marca o regresso dos cabeças de rádio aos seios de um mundo doente.

 

Por: Cybernic

 

O espaço onde – depois de passarmos pela porta da melodia – e entrarmos num universo de sensações moleculares pode ser vislumbrante e pertubador. Temos essa certeza já nos primeiros segundos de Hail To the Thief. Ao plugar da guitarra somos arremessados numa bolha indivizível  que vai crescendo aos poucos, nervosa - como o mundo em quem vivemos pós-11 de setembro - como o cotidiano e uma manhã qualquer. A matéria viva se dilata em dimensões inimagináveis, cada fragmento de esparros e soluços fogem do controle e da gravidade – essa há muito tempo subvertida pelo grupo de Thom Yorke e Jonny Greenwood – mentores de um som futurístico profundamente odisséico num lamaçal sintético visionarissimo e sobretudo urbano. Como aliens indefiníveis que passeiam pelas ruas com câmeras fotográficas - c0m olhos de crianças - para futuras análises não só do mundo mas de si mesmo. Cada metro quadrado do sexto rebento produzido pelos rapazes de Oxford respira a incerteza certeira que a máquina – O grande irmão de Orwel – como uma vírus – penetra nos poros dos nossos gestos quase involuntários e vai criando - como um embrião mutante - a esquizofrenia materialista  e ditando a  ordem dos passos dos pensamentos e fundido-se em nossas artérias engessando e domando a natureza instintiva e porque não imaterial e vívida de cada um em meio a estrutura erguida em suas 14 faixas definitivamente acima do padrão de Nigel Grodich - o mítico sexto membro do grupo.

Como disco Hail to the thief foi arremessado na categoria de álbum que reúne um pouco de cada uma das obras do grupo mas como disco, Hail to the thief concentra muito mais que um apanhado de referências próprias. Embarcações flutuantes para a lua e delírios de anjos desabando, tesouros inconfessáveis de raras melodias e fusões impensadas de jazz eletrônica e experimentalismos com assinatura própria, transforma o petardo num disco chave. Não só isso. As canções foram submetidas a intensas experiências sensoriais e ao calor e afago de um público sedento. Um disco de uma banda que arrisca rupturas rítmicas e calendoscópios espaciais, num verdadeiro artefato de percepções. A tarefa árdua é traduzir cada centímetro quadrado. E esse compartilhamento de informações entre artista e ouvinte deve ser paciente e juntar cada pedaço e montar o mapa dos sentidos requer aos desavisado e para fãs antigos que esperavam vida fácil (após os quebra cabeças Kid A e Amnesiac) um tempo de diluição mais paciente nas veias da sensibilidade. As referências passam pela literatura política de Orwel, Deleuze, Guy Debord à "krautrokces" nervosas de Neu e Kraft e pelos universo concretamente virtual de Four tet e o jazz alien de Alice Coltrane. Ouvimos mais uma vez  o tenebrosono instrumento eletrônico da década de 20 ( Ondes Martenot) despejando nevoeiros sobre a tela, os clássicos xilofones transformados em rádios transmissores emitindo mensagens secretas à outras galáxias, palmas ouvidas em outras dimensões, tambores ancetrais do futuro e linhas de baixos indecrifráveis montam e remontam uma obra inenarrável que agride com a passividade poeticamente inerte de Thom Yorke e  acalma como uma demente chapação subversiva entre arte e o cotidiano surreal não menos real e  nos perdemos em meio a indefinições auditivas atemporais.

 

Mesmo que não tenha agradado à banda – muito pela correria da gravaçao inconfessada em poucas semanas  e pelo número “exagerado” de faixas – um abuso de artistas exigentes e sempre insatisfeitos - o mundo pessimista e intimista se espalha em verdadeiros submundos erguidos nos becos e esquinas do tempo.

 

 

(Thom Yorke) O ser atormantado é apenas o fio condutor que não conduz e sim é conduzido para as crateras do que poderia ter sido e jamais aconteceu -  Um mundo de cores mais consoladoras e um início de século esparançoso e linear? mas não. Respiramos o cansaço juvenil e o medo onírico do presente, como lobos devorando nossa própria infância nos sentimos constrangidos e renegados por nós mesmos e acreditamos que tudo continuará do mesmo jeito ou pior. Não, Hail to the thief não é um disco pessimista.  O mundo é a matéria prima – e mesmo que isso não seja feito para deixa-los felizes – pelo contrário certamente – a obra nasce dessa carcaça de sonho – desse bálsamo ácido - desse quadro tão íntimo e confuso que ao mesmo tempo riscamos - fazendo arte (?) e produzindo vida e que as cores já não fazem muito sentido e  haveria de ter?. Hail to the thief é o parto – expelido pela alma – do próprio mundo – cada elemento dele – célula sonora que divide-se em dimensões sensoriais se adaptando ao tempo e nós a ele – é a materialização hologrâmica – como um espelho turvo – de nós mesmos. Um obra que servirá como documento histórico do papel que a visão de um artista, sobre o  tempo em que viveu e como isso o atinge irreverssívelmente, pode definiar sua arte  e sua atemporalidade. Hail To the Thief é a prova - Definitiva - que estamos no tempo onde 2+2 é 5...

Mais um trabalho  do  quinteto para ser discutido interminavelmente pelas próximas gerações.

radiohead_hail_to_the_thief_2

 

Link> Download

[Review] The Bends

untitled[1]

Por: Cybernic

 

 

Amigos imaginários povoam nossas vidas desdos tempos de infância e preenche nosso mundo com o universo único do sonho. Depois crescemos, adquirimos a responsabilidade e os pesos do mundo e algumas coisas se perdem, mas outras permanecem intactas sobre outras formas. Papel fundamental da arte e uma das suas vocações. Espreguiça-se dentro de nós, empurrando a inércia para o lado de fora, trazendo luz aos sentimentos e desatrelando nós de qualquer vazio. Mesmo que essa seja espelho do próprio artista e de sua obra mesmo que essa seja vasta e infinita. E esse papel de "amigo imaginário" é o papel que The Bends tem pra mim. Do primeiro e crucial mergulho até o âmago do que somos e ao avançar da profundidade a certeza...

Quem somos?

Um vento surge dos meandros do silêncio e se fragmenta em pequenos organismos que aos poucos vão reconhecendo um o outro e formando a textura de "Planet Telex". As distorções da guitarra misturam-se ao sublime canto desolador de Thom. Ele dobra-se, espreme-se pelos compartimentos de uma canção urgente e sublime não menos de alma quebrada. Se o mergulho está cada vez mais fundo, a faixa-título "The Bends" é o atestado de alguém perdido nas próprias poças imensas da profundidade. Para onde iremos? Canção irretocável. Texturas de guitarras estremecem vocais trovadores e tudo se acalma num violão desencarnado. O pessimismo toma conta até das mais sensíveis das verdades e a canção se eterniza erguendo a constatação de um abismo.

Se a urgência de uma alma febril pontua a textura das duas primeiras canções, Phil Selway pede calma e abre a sublime "High and Dry". O violão “Automatic for peopleano” pontua uma das mais belas canções da nossa geração. A certeza que estamos indo cada vez mais fundo e pior do que nunca e que isso parece sem volta. Não só não conseguimos mais controlar as coisas como elas controlaram e moldam o que almejávamos ser. O que almejávamos? ao olhar para trás o silêncio seria a melhor das respostas.

E depois de sentarmos num canto contemplamos a efemidade e a passagem das horas sob a dilacedora melodia pontiaguda de "fake Plastic Treens". Se as cores começam a desbotar e já não temos mais certeza do caminho, tudo começa a ruir e o sentido é deixado em alguma esquina. O violão rasga a pele da canção, Sem dúvida uma das mais belas de todos os tempos.

Sentimos isso nos ossos e até quando disfarçaremos? "Bones" é áspera e aponta em nossa cara. Escancara no meio da multidão dos nossos sentidos o desconhecido que nos tornamos e agride a ferida num ato desesperador de mescla de medo e otimismo encarnado. Quando vamos voltar a sentir? As guitarras erguem as paredes para depois desabá-las. E nós, Peter pans envelhecidos despencamos na cama em lágrimas e soluços.

Ainda temos força para um sonho bom? "Nice Dream" é a própria beleza radiohediana em forma de esperança desolada em algum horizonte sem horizonte. O violão choca-se com pequenas construções de piano e solo erguendo uma nuvem acima das nossas cabeças. Se olharmos bem, são os sonhos bons que nos movem além de nós mesmo.

A queda contínua, apos um momentâneo esquecimento é retomada na dissonantemente instigante"Just". O violão é soterrado pelos braços de guitarras que transbordam por todos os poros. Canção amarga que te joga pelas goelas e vamos capotando em solo desconcertante e vocal que te olha nos olhos, antes de te vomitar.

O mergulho parece deixar dormente até a alma mais perturbada e isso é descrito no hino "My Iron Lung". O diálogo entre as guitarras parece verdadeiras óperas ouvidas no fundo do oceano. A fé que abandona a falta até da própria dor, a ânsia para não cair nos sonos das meras lamentações juvenis e ali ficar, como alguém que sucumbe na própria poça de sangue permeia o pulmão de ferro da melodia.

Mistura de aspereza e sublimidade que deságua nos recifes e plana ao lado das algas de "Bullet Proof..I Wish I Was".

icon_bends_astronautred

O violão de volta a ordem vaga pelas embarcações das nossas memórias e olhamos apenas o movimento das coisas que vão e vem... Disposto a sentir até as útimas conseqüências, até o último suspiro, disposto a voltar, mesmo que para isso haja dor, voltar, voltar a sentir a si mesmo. E isso se entrelaça numa canção rara.

Se nosso mergulho íntimo é invisível aos olhos do mundo "Black star" surge de um crescente silêncio e como alguém devorado por mil ratos por dentro e todo colado por fora se perde em contemplações e sem poder explicar realmente os acontecimentos exaspera-se em desculpas que lembram os grandes poetas malditos e suas incompreensíveis e líricas verdades atemporais e dramaticas. E essas verdades formam e moldam aquilo que somos mesmo sendo apenas e, sobretudo para nós mesmos.

E essa espécie de constatação daquilo que não volta mais, se forma na beleza dramática de "Sulk" e se dilata como uma ferida exposta na última obra prima da obra. "street spirit". A dedilhação toca as mãos dos anjos da melodia e o vocal se encarrega de nos fazer voar nas imensidões de volta do mar, intenso e imenso mar do que acreditamos que somos. Para Yorke uma canção que o atinge e o consome e se formos pensar bem... Como ela nos atinge! A volta das profundidades mais inconfessáveis revela confissões silenciosas. O mundo. Como traduzir o mundo? Nós? Sonhadores? Toda a dor vem do desejo de não sentirmos dor realmente? Todas as coisas que nos fazem desaparecer, todas as coisas posicionadas, tudo no seu devido lugar? Como desaparecer completamente? Arvores de plásticos? Num limbo? Flutuando para a Lua? Num rio de olhos negros?...Somos os espíritos das ruas. Das ruas de nós mesmo e do mundo. E para onde correr? A última mensagem dessa obra de arte chamada de The Bends - segunda obra desses meninos e sua primeira obra inesquecível é -

…Afunde sua alma em amor...

E nós, silenciamos com as lágrimas do sentir. A verdadeira razão desse disco, sentir!

Até a última gota de cada segundo... Sentir!

Como diz o poeta Fernando Pessoa:

“Sentir tudo Interminavelmente”.

Então voltemos e mergulhamos de novo e sempre à esse amigo imaginário – aquele que te ouve e te entende em forma disco.

Doze manisfestos que permanecem intocáveis em nossos corações.

radiohead-the-bends

[Review] Radiohead – The King of Limbs

 

 

Por: Cybernic

 

Para muitos a arte nos dias de hoje não passa de um cadáver agonizando em meio ao caos da vida contemporânea. A banalização da vida, a violência, a degradação do meio ambiente, os jogos da propaganda consumista, a falta de uma certa espiritualidade, reúne elementos que tornam o ato de viver difícil, tenso, a não ser que você tenha em mente o desprezo pelo ser humano, pela natureza e abrace uma vida distante das questões que afligem nosso tempo.

Nesse sentido, poucos artistas, ainda comovem e causam algum tipo de estrondo e alvoroço nos tempos onde o consumo (de musica por exemplo) é imediato e descartável.

Quando surgiram em 1993 com seu debut (Pablo Honey) os Radiohead eram vistos como mais um grupo de grunge influenciados por nirvana, dois anos depois, fizeram um dos grande discos do rock inglês dos anos 90, o The Bends e se consagraria como o grupo a ser seguido no fundamental Ok Computer (1997).

Mas, a partir daí, O Radiohead reescreveu sua história e seguiu passos que dividiram muitos fãs, para não dizer que alguns se sentiram órfãos.

a verdade é que a banda dos amigos Thom Yorke, Ed, Phil e os irmãos Greenwood sempre foi inquieta e sempre dialogou com seu tempo.

Ok Computer captava um momento importante de avanço tecnológico, futurismo, o homem moderno de finais de século, sua condição como ser e em sociedade.

Kid A/Amnesiac (2000/2001) já captavam o inicio do novo milênio, as tensões da modernidade e o homem no centro desse fato.

Musicalmente os discos gêmeos estavam soterrados pela influência do free jazz de Alice Coltrane, pelo jazz cabeçudo de Charles Mingus e Miles Davis. Além da referencia ao krautrock de Can, faust e o os artistas da gravadora Warp, ainda que essa influência seja dita pelos quatro cantos como fundamental, os discos estão longe de serem discos eletrônicos, é um apanhado de influências que tornam discos herméticos e inclassificáveis.

Hail to the thief (2003) já ressoava com o abalo de um 11 de setembro que mudou a cara do mundo, rechaçou crises entre o oriente e o império americano, trouxe tensão e se tornou mais visível as máscaras do capitalismo. Tudo isso é captado de maneira metafórica no disco, considerado por muitos o mais "perdido" musicalmente, tese que os próprios membros da banda realçam por ele ter sido gravado muito apressadamente.

Mas musicalmente Hail to the thief reúne canções e coesa de difícil acesso, peças que foram retrabalhadas no extenso arsenal de sons da turma, um disco influenciado pela leitura de "Capitalismo e esquizofrenia" e "1984". Yorke nesse disco é como nós, mais um número no processo e aceita isso numa passividade agonizante.

Depois a banda encerra seu contrato com a EMI e lança-se independente. Captando as tensões num ciberespaço entre downloads e gravadoras, Thom & Cia são so primeiros da turma dos “grandes” a tratar o tema e não só isso, capta o momento delicado que a arte se encontra. In Rainbows (2007) poderia ser comprado com o preço que o comprador quisesse pagar ou até de graça, no geral, você refletiva o “valor” que a arte do grupo tinha pra você., forçando a pensar: Qual a o valor da arte nos tempos atuais?.

O estrondo foi grande numa mídia sempre sedenta por polêmicas e discussões. Musicalmente, o disco é nos ouvidos mais desavisados o mais acessível em tempos, suas canções parece ter sido esculpidas de tal maneira que não soam com nada parecido nos dias de hoje. Para chegar nesse fato a banda se atormentou e quase desiste e encerra suas atividades.
in Rainbows foi um marco estético, comercial, crítica e público, se renderam.

Pra onde ir?

Nos tempos de downloads intensos, motins virtuais, wikiliers,  gravadoras afundando, músicas e bandas de plástico, um mundo desencantado bate a nossa porta como um vento e bagunça nossa alma.

Qual o papel da arte nisso tudo?.

Qual o sentido de fazer música?

É nesse sentido que a banda nos apresenta seu oitavo filho.

44532261_radiohead466pa

The King Of Limbs.

A criação de um sonho cantado como se real fosse e vivido em pouco mais de 37 minutos de um passeio por um lugar que nem lembramos mais. Nós mesmos.

A experiência de ouvir um Radiohead requer paciência, estar aberto a outras soluções para uma canção, outros andamentos, por vezes canções sem refrão, dissonância e quebras rítmicas pontuam uma turma inquieta e que mesmo com mais de 20 anos na estrada não se rende.

E sim, The King of limbs reúne uma banda disposta ao desequilíbrio.

Não, não é uma volta ao universo de Kid A/Amnesiac.
Nem ao estruturalismo que agrada os fãs de um rock mais escultural como o de Ok Computer. Também não é um novo In Rainbows é simplesmente uma obra única, fechada em si, de uma banda que inventou seu universo e gira sobre ele.

"Bloom" abre krautrokanamente. O piano elétrico (que ressoa a canção inteira) flutua (lembrando os primeiros discos dos alemães do Popol Vuh) e envolve os ouvidos, alguns segundos de loops de batidas até surgir um Phil selway alucinado (assim como em Morning Bell/Dollars and cents/Mixomatosis/15 step) num outro andamento, ainda por cima, o baixo do Colin em poucas notas pontua a entrada de thom (colin parece que gravou o baixo de um outro canal em marte) e permeia um thom em vocal chapante. Uma orquestração à la Alice coltrane ergue o clima,  a atmosfera de um florescimento lento.  "Abra sua boca" canta yorke, parecendo sobrevoar um descampado, possuído pelos mais intensos sonhos.

O free jazz continua em MorningMrMagpie. The king of limbs nos apresenta uma banda sinistra, A guitarra de jonny greenwood nunca antes tocada assim e de forma abafada entrecorta a tensão de uma bateria num compasso impenetrável, Phil realmente está na sua melhor forma. "Você tem muita coragem pra vir até aqui Você tem muita coragem pra vir até aqui" dispara Yorke entre setas, descompassos, tensão raivosa e lisérgica, a canção corre, free jazz /krautrock, tudo guiado pelo intenso frotman que não descansa. Pelo meio um violão bêbado dialoga num esquina solitária da canção. Tudo parece que vai se desprender do chão e colidir com alguma parede invisível mas estranhamente a canção se mantem, algo a faz se unir, um milagre jazz...

"Você roubou toda a minha magia E levou minha melodia".

Violão, baixo, bateria marciana e um lindo vocal permeia a bela  LittleByLittle. Canção que Jonny quase que solfeja as notas, enquanto Colin destila sua linha passeando por dentro da melodia ondulante e cheia de variantes com um Phil linear como se estivesse em outra freqüência.

"Obrigação, Complicação, Rotinas e horários, Droga e te mata Te mata"

Dispara um yorke confessional, que como num sonho, não quer acordar agora, o mundo de hoje exige mais do que viver, exige e te suga a alma.

A instrumental Feral (selvagem) parece um banda que não consegue encontrar sua razão. A melodia parece presa, Yorke tenta cantar algo mais tudo é abafado, incompleto, não há sentimento, a selvageria dos loops, o baixo do Colin que impregna, causa incomodação, aflição, thom parece um Cyborg se debatendo no meio de uma floresta.

LotusFlower nos apresenta para a segunda parte do disco. Seqüenciadores comandados por Jonny Greenwood, teclados gelados e um baixo sedutor (assim como em Nude e All i Need) realçam a cristalização de um vocal que parece que engoliu uma um luz desconhecida que da vida num falsete épico.

"Há um espaço vazio no meu coração onde cresce o mato
E agora eu vou te libertar, te libertar"

A bateria sempre incomum de Phil e os loops no vocal de Thomas evidencia uma das canções onde os Radiohead mais estão a vontade nesse disco. Recriando dentro da própria sonoridade que eles inventaram pra si, o cunho de originalidade que lhes é caro.

Desde de Amnesiac o Radiohead vem trabalhando peças minimalistas ao piano. Canções como pirâmide Song, sail to the Moon, Videotape, mostram um Yorke dissonante ao piano, sempre buscando fugir dos velhos clichês de canções assim, sempre com compassos improváveis e pouco refrão, a influência do jazz é visível mas toda as belezas anteriores , as tensões, os medos, a angustia de não-ser ,deságuam na peça de rara poética  de "Codex".

No ambiente frio de Lotus,  Yorke é transportado (assim assim como Pull/revolving door e You and army) para uma contemplação imensurável. Ele mergulha numa nuvem, descansa, deita sobre as folhas sem machuca-las e ouve os compassos mais íntimos da natureza.

"Deslize suas mãos
Salte no final
As águas são límpidas
E inocentes
As águas são límpidas
E inocentes"

Canta thom querendo que nós façamos parte da experiência. Quase como de onde o ponto que paramos em Pirâmide Song (onde não havia mais nada a temer nem a duvidar) somos tocados por uma canção irretocável, uma orquestra comandada por Jonny Greenwood, pontua a beleza e a sensibilidade em forma de canção. Os rapazes de Oxford, donos de canções como Boolet Prof. I Was, Street espirit., No surprises, Desappear Completely, Scatterbrain, assinam mais um ato sublime no imaginário da poesia moderna. E tudo encerra-se entre pássaros, caindo a tarde ou chegando o outono em "GiveUpTheGhost"

O verso:
"Não me assombre, não me machuque
Não me assombre, não me machuque"

Repete-se pela canção inteira, cantando um yorke sabendo que logo acordará, logo terá que lidar com as razões que ditam as regras desse mundo,
logo seu sonho terá que da lugar ao que chamam de "realidade". O sentimento de não fazer parte de um todo mais uma vez eclipsia um artista inquieto, uma eterna busca quase espiritual por uma zona que não seja de conforto e sim de consolação, uma das bases e buscas de toda a poesia desse trovador solitário em todos os discos da banda. Yorke lagrima e nos prepara para a separação onírica em "Separator".

Encerrar bem seus discos sempre foi uma especialidade dos Radiohead.
Parece que a última canção sempre trouxe uma beleza a mais, um delírio e uma certeza que reafirma toda a obra.

E não foi diferente com Separator.

A banda toda retorna, Jonny Greewood experimenta tensões na guitarra, Enquanto Phil passeia numa andamentos só seu, seqüenciadores distorcem a voz de Yorke que parece estar em outra freqüência, distante, num conforto de alguém que viveu um sonho bom e vive a memória cheia de saudades sublimes que o fazem voltar sempre que quiser. Pelo caminho um solinho na guitarra do Jonny que depois cresce, tornando-se as asas invisível de Thomas, um Thomas de rosto afagado pelos ventos, que acordou de um universo só seus mas o que antes era um sentimento de desconsolo crônico agora pousa na sua retina a máxima que o sentir é eterno.

A arte está aí para isso, te fazer sentir de novo, te fazer acreditar que um sonho é possível num mundo onde o desalento recria a certeza da falta de encanto nas coisas vividas. O arranjo de guitarra no final é uma dos mais belos da discografia da banda e encerra em meio ao apelo do Thomas-poeta para acorda-ló da nossa própria realidade. Uma das grandes obras de artes da obra do grupo desde sempre.

"É como se eu estivesse caindo da cama
Depois de um sonho longo e fatigante
Finalmente me livrei do peso que carregava

Quando eu pedir de novo
Quando eu pedir de novo
Me acorde
Me acorde"

The king Of limbs é um passeio solitário pelo sonho de um poeta.
O sonho de um mundo como ele queria que fosse,  um sonho de alguém  que acredita nas relações entre homem e natureza, alguém que ainda sente o prazer irreparável de observar um flor, apreciar a beleza de um pássaro ou o correr de um rio, algo que perdemos em tempos de internet, relações banalizadas, amores descartáveis, arte que não comove apenas preenche o intervalo do almoço ou serve para nao causar tédio.

Um mundo que desbota aos poucos e onde fazer arte que não seja apenas por mera arte, requer paciência, trabalho, requer  certeza dentro de si que de alguma forma, uma obra terá alguma razão na vida de alguém.

Musicalmente o oitavo disco dos Radiohead abraça numa parte o Free Jazz de Alice Coltrane e o Krautrock do Faust, um passo a frente nos experiências anteriores, numa banda segura para não seguir fórmulas. Na segunda parte, o velho e inominável Radiohead, com sua dissonância, orquestrações e beleza, alguns loops e samples apenas como complemente, ao contrário do que andam afirmando, o disco tem pouca coisa de eletrônica, além de um fluidez e fragmentação orgânica que pode soar eletrônica em alguns ouvidos.

O Radiohead segue compondo obras primas e nos comove com sua sublimação absoluta.

O poder da sutileza em estado de graça dialogando com a natureza mais elementar.

Parabéns a banda por captar nosso tempo assim e nos entregar mais um documento.

Canções que serão milenares tanto quanto o carvalho que inspirou o título do disco.

O VERDADEIRO REINADO DA ARTE EM ESTADO BRUTO.

The Eraser

thm

Thom Yorke

Disco: The Eraser (2006)

A voz sempre foi tratada como um instrumento à parte numa canção popular. Como aquela que guia a canção por dentro da melodia e a desenha pelos litorais dos nossos ouvidos. Mas poucos conseguem apenas dilui-la por sobre as camadas como se mais um piano ou um xilofone fosse, como Thom Yorke. Sua voz tem qualquer coisa de instigante, teatralmente lúdica, parece (e ele já confessou isso) que sempre está buscando novas formas em meio a abstração sonora de sua banda. Mas, Yorke precisava enfrentar seus fantasmas e pra isso nos entregou em 2006, uma pérola dos tempos modernos. The Eraser. Quem acompanha IDM e o chamado downbeat, sabe onde The Eraser está pisando, mas aqui temos algo mais além, temos um dos maiores compositores da sua geração numa performance intransferivel. Thom parece estar numa arena cyborg, lutando com máquinas fantasmas entre diálogos com cines negros, entre sopros nos corações dos nossos ouvidos que aos poucos vai aceitando a estranheza sintética dos bets se fundindo com o átomo sublime do vocal. Entre excêntricas paisagens pertubadoras, resquícios de confusos idioteques pelos caminhos dos becos existencias, onde apenas Thom Yorke sabe as senhas e os caminhos de volta. The Eraser é o disco de uma voz atormentadamente imcompáravel quando de uma beleza - densa beleza cinza, futurística e rara- falamos. ou como diz o próprio gênio:

It's all boiling over
All boiling over
Your little voice
Your little voice

 

Cymbal Rush

the eraser

Capa: The Eraser