Radiohead Clássicos Escondidos - “Like Spinning Plates”
O cotidiano amnesiquiano de Like Spinnig plates.
Like Spinning Plates
Álbum: Amnesiac (2001)
Like Spinning Plates
Álbum: Amnesiac (2001)
Like spinning plates é uma gota caída do céu. Uma lágrima de deuses quase tão humanos quanto nós. Entretanto, a sua estrutura lírica nos revela toda a violência oculta que pode existir por detrás de cada gesto aparentemente inofensivo. Neste ponto reside a genialidade do argumento impiedoso, desenrolado em imagens que ferem a pequenos toques.
É devastador perceber o contraste da leveza entoada nas notas de piano que flutuam como pétalas recém-arrancadas do corpo de uma flor. Ainda mais cruel identificar o movimento lírico do cotidiano de nossas vidas sendo entregue tão naturalmente quanto o próprio ato de respirar, ao embalar, em doses de náuseas, a perversão das palavras apresentadas nas mais belas promessas.
A partir de uma perspectiva macro estrutural da obra radioheadiana, acredito que, desde o seu segundo álbum intitulado The bends, as canções de encerramento trazem uma carga de ruptura com a estética até então apresentada. Em outras palavras, nesta lógica, não seria diferente com Like spinning plates, muito embora seja a penúltima música do Amnesiac (2001). A canção revela indícios do que está por vir. Este por vir se desenrola na irônica saudação ao ladrão, Hail to the thief (2003).
Não há uma linearidade temática no antecessor Amnesiac, onde parecemos mergulhados numa sopa de desestruturação, letargia e conformidade desencadeada pela perda da identidade, que deu lugar à formação de um ser amorfo. Em dado momento, nos perguntamos para onde caminha, desde a última canção do Ok Computer (The Tourist), aquele que desponta a mil pés por segundo... E que longa espera resulta na frustração do homem comprimido na rotineira e claustrofóbica Packt like sardines? A distância percorrida revela a discrepância entre o que se deseja ser e a implacável realidade. Mas se o jovem Thom Yorke já tivesse, institivamente, prenunciado que em última estância “a gravidade sempre vence” não causaria nenhum espanto perceber que o que leva este homem à frente já não depende de suas ações, mas de uma teia construída por forças que estão acima da sua percepção e controle. Daí a recorrente manipulação sofrida pelo sujeito sem rosto a vagar por entre as veredas de Hail to the thief. Todo este processo de perda culmina em um dos sentimentos mais latente na discografia: o medo. Não apenas o medo escancarado nos golpes de trompetes e saxofones de National Anthem, “Everyone has got the fear, It's holding on”, ou a temerosa I will com seus espasmos anti-vida “ I will let me down in a bunker underground”, bem como o lobo que escondemos atrás da porta( A Wolf at the door), prestes a nos tragar de uma só vez. Há também, dentro deste universo complexo, o medo velado pelo que não foi dito.
O “Silêncio silencioso” que nos remete ao desespero mudo acampado em cada traço habitual da cidade. E o que não é dito em Like Spinning Plates parece, no final de tudo, pesar muito mais. A permissividade da continuação de pequenas brutalidades esgota a possibilidade de enfrentamento. O homem amnesiquiano tende a não entrar em confronto com aquilo que julga ser incapaz de transpor. Está esmigalhado, trôpego, demasiado kafkiano, e só funciona na desagregação de si mesmo, num ato falho de representar aquilo que ainda não está estruturado.
Assim, pouco a pouco, o cotidiano lírico, visceral, impiedoso e verossímil de Like sippining plates tende a se mostrar numa construção de uma sociedade, por vezes vítima, por vezes algoz, que incapaz de sair do eixo do movimento giratório, reproduz os mesmos erros.