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E essa sua arte, ela serve pra que(m)?
Noções básicas: a arte é necessariamente emancipatória, a arte é questionadora, a arte é instigante e, sobretudo, a arte precisa constantemente olhar para si. O resto, ainda que com pretensões e presunções artísticas, é entretenimento. Músicas top20, filmes blockbusters, livros best-sellers e similares (similares mesmo, visto que são produzidas e reproduzidas com o propósito de manter tudo no lugar): entretenimento puro e simples que daqui um ano será esquecido. Os rankings se atualizam com cada vez mais agilidade sem haver nenhuma renovação e neles tudo aquilo que surge é mais do mesmo. Um hit sucede o outro e quando o inédito periga aparecer, é facilmente corrompido, inserido e desvirtuado nesse nosso modo de se fazer “arte” em cadeia.
De fato, é bastante difícil fugir das engrenagens e é especialmente difícil conseguir escapar destes artifícios que a indústria cultural produz e acaba se utilizando. Sim, vez ou outra, na grande mídia, algo de genuíno aparece, pessoas bem intencionadas e inspirações profundas, mas nada disso garante que o “artista” e a sua a “arte” não sejam cooptados pelo atual status quo. Por conta disso, se mostra imprescindível fazer o uso constante da autocrítica supracitada.
Entretanto, além de ser trabalho de formiguinha e um nado contra a maré, reconheço, é extenuante se manter fiel aos seus propósitos (leia-se se manter fiel à arte), quando existe uma mídia e uma infinidade de meios de comunicação que diminuem a importância da arte verdadeira, especialmente porque há um grande número de pessoas consonantes com tudo isso e, assim, dão a esses absurdos o status de verdade. Tudo se limita em comprar, vender, lucrar e, é claro, trocar. É desestimulante ver pessoas que dizem valorizar a arte não comprarem um livro porque consideram que ele “é muito caro”, ao mesmo tempo que não acham muito caro pagar 18 reais em um cinema para ver um filme 3D. É triste perceber que algumas pessoas buscam a arte para se esquecerem de si, justamente quando elas deveriam recorrer a esta para se encontrarem e, especialmente, se fazerem.
Não, não penso em desistir, nem pretendo começar a escrever autoajuda. Mas enquanto artista não posso me privar de fazer essa crítica e também não posso abrir mão dos meios que possuo para assinalar esses aspectos que sufocam verdadeiros artistas e matam muitas obras primas (ou potencial artístico) quando estas ainda estão sendo iniciadas.
Acho que o momento atual – apesar das más vontades e interesses estritamente capitalistas – tem muita potência e também muita gente implicada em fazer diferente, porque os infinitos meios que hoje existem, ao mesmo tempo em que constroem as “verdades” hegemônicas, viabilizam o nascimento de muitos artistas. Assim, ao mesmo tempo em que esses questionamentos evidenciam o quão árduo é criar e não reproduzir algo, se manter fiel à arte e não ao lucro, fica evidenciado também como é simples contornar tais situações. Qualquer um pode ser protagonista de uma mudança de interesses (e espero que sejam todos!), do mesmo modo que qualquer um que dispõe dos novos meios de comunicação pode utilizar estes para além do sempre igual.
Por isso, friso, é necessário questionar, nada deve parecer natural ou imutável, nada deve soar igual. Se a nossa inquietação artística se perder por conta de todas essas vicissitudes, receio que junto perderemos o que faz nós sermos propriamente humanos.
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João Henrique Balbinot, paranaense de interior, gosta de viver rodeado de músicas, palavras e pessoas. Quase sempre. Autor do livro de contos “No arco-íris do esquecimento” (Ed. Multifoco, 2012).
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