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O amor é outra coisa*
- Vai cara, desembucha, como é estar com uma quedinha? Um Penhasco?
- Velho, não enche o saco.
- Para, meu, aqui é parceria! Diz aí, não precisa ficar acanhado não, o que você diz aqui, morre aqui. Vai, como é estar apaixonado, hein? Como é estar em um relacionamento “é complicado”? De namorico, paparico, amando, in love, febril, embriagado de amor, inebriado pelo aroma de outro ser, de rolo, unido simbioticamente com um outro? ON FIRE?! É te amo, é I love you, é te quiero, é je t’aime, ich liebe dich, e sempre a procura de um novo modo, um novo idiomazinho, pra externalizar todo amor que não cabe no peito de quem ama e que, sendo manifestado, ainda parece pouco perto do tanto que se sente? Como é estar comprometido de verdade com alguém? Confundir tanto as pernas com quem se ama é possível mesmo, ou só a música que é louca de bonita, mas fantasiosa? E depois é possível andar, sair ileso dessa? O roçar da pele daqueles que se amam é realmente como uma pétala aveludada, delicada e também rígida, capaz de provocar os mais profundos estremecimentos? Você ficou cegado? Não tinha olhos para mais ninguém? Era Deus no céu e ela na terra? Aliás, Era Deus que se foda? Os que estavam de fora eram só um ruído? Uma desimportância perto da importância, da necessidade, de amar? Queria passar todo o seu tempo com ela? Queria a eternidade? Sem ela não tinha graça? O calor era mais suportável porque o calor de dentro ardia e queimava muito mais? O céu era mais azul? A grama mais verde? Você não sentia mais fome? Ou se sentia, se esquecia de comer, porque simplesmente estava ocupado demais sentindo outra coisa muito mais funda, intensa e verdadeira? Queria, como em um musical, cantar o dia-a-dia? Como um poeta recitar incoerências de modo a fazer sentidos? Parecia um comercial de margarina? Você acordava com uma vontade danada de mandar flores ao delegado? De bater na porta do vizinho e desejar bom dia? Beijar o português da padaria? MEU, FALA! Como era? Ardia e não se via? Você ficava zonzo? Um frio corria pela espinha? Você não sabia muito bem o que estava fazendo, mas mesmo assim sentia que devia fazer? A coisa é incondicional mesmo? Parecia que era para ser? Coisa de opostos? Atração? Não conseguia manter as mãos afastadas dela? Nem mesmo segredos? Queria segredar tudo para ela? Fugir para outro lugar, baby? É amor mesmo que mude? Morrendo não morre todo? Quando se beijavam os sinos soavam doces nos ouvidos de vocês, jovens enamorados? Você queria deixar o verão para mais tarde e ficar todo o tempo no sofá? Romance é romance e um lance é um lance? Realmente existe essa diferença? Queria mesmo dividir TU-DO com ela? Queria casa no campo, filhos e netos? Vida simples? Rocks rurais inspirados sempre na derradeira musa inspiradora, senhora dos seus sonhos e vigílias? MEU, FALA, COMO ERA ESSA PARADA, AÍ! MUDA ESSE SEMBLANTE DE CANSADO, PARA COM ESSE TIPO DE TÉDIO E VAI FALANDO, NEGUINHO!!!
- Uh... Então, sabe aquele negócio de borboletas no estômago, que os americanos gostam tanto de dizer?
- Sei, claro, claro... O farfalhar incessante das asas das mais delicadas e lindas borboletas – as mais belas criaturas criadas por Ele – na parede do estômago criando, como dizem, uma sensação entre cócegas e dor. Então é assim? A leveza da borboleta? O vento criado pelo bater de asas? E a indescritível sensação visceral que intensa é também suave? Então é tudo isso, afinal?!
- Não, balela, deixa eu terminar de falar, a parada é sinistra... A coisa mais parece aranhazinhas, várias delas, de patinhas bem fininhas, perambulando sem cessar...
- NOOOOSSA, carai!
- E mais, se elas não forem constantemente bem alimentadas, é mortal: elas são extremamente venenosas, não é bom contrariá-las.
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* Este é o quarto conto que compõe o livro “No arco-íris do esquecimento”, originalmente dedicado para “Lorene Camargo”.
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João Henrique Balbinot, paranaense de interior, gosta de viver rodeado de músicas, palavras e pessoas. Quase sempre. Autor do livro de contos “No arco-íris do esquecimento” (Ed. Multifoco, 2012).
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