Para ouvir lendo (ou apenas ouvir): How to disappear completely
Chamamento
Depois de incontáveis dias de sujeira acumulada
Assisto a banheira se enchendo aos poucos
A água sobe calma e, com ela, algo de pacífico também
surge
Olho na minha face refletida, então estremeço e me
fascino
Sinto um chamamento pra água e em meu reflexo alto também
me suga
Vou ávido de cabeça e me machuco
O sangue forma um fio na água, depois se torna róseo e
some
Não me parece nada de grave
Com a dor galopante vem a tontura
A imensidão do mar sempre me assustara
A imensidão do mar sempre fora motivo suficiente para não
me entregar
Narciso de banheira
Nunca fui dado aos mergulhos e transbordamentos
Mas sempre bati muito a cabeça em friezas e
instransponibilidades
Nesse banheiro tudo me parece propício, me é adequado
O estado psíquico se altera
Um estado de sonolência se instala
Como fio último da razão olho a água que transborda e me
despreocupo
O ralo ao lado da privada e o degrau do banheiro
impedirão que a água avance por todo o apartamento
Escuto o barulho dela caindo leve como uma chuva leve e
sem vento
Tudo está bem
Adormecendo, a dor acaba sumindo
Um movimento involuntário me assusta e me acorda
Começo a me debater dentro da banheira
O humano em mim vira translucido
O peixe que me torno se desespera
Descubro despreparado que o sal do mar me seria
imprescindível
Agora é tarde, me inquietando novos machucados se fazem
Escamas se soltam, pequenos cortes sangram
Tudo se torna bruto
Os olhos órfãos de pálpebra se embranquecem
Sem outra opção, miro o teto e é tudo
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João Henrique Balbinot, paranaense de interior, gosta de viver
rodeado de músicas, palavras e pessoas. Quase sempre. Autor do livro de
contos “No arco-íris do esquecimento” (Ed. Multifoco, 2012).
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