Radiohead fora deste mundo
Esta noite o Alive iria ouvir uma das bandas mais desejadas em qualquer palco alternativo. Dez anos depois, a coragem, a imprevisibilidade e a mão certeira dos Radiohead voltaram a Portugal e o festival parou, literalmente, para os receber. Do outro lado, mais de 50 mil pessoas estavam prontas para guardarem os milhares de sensações que a música dos britânicos provoca. É rock. É electrónica. Códigos jazz. É um dos puzzles mais complexos e ao mesmo tempo mais necessários da música moderna. Aos olhos é isso que nos chega. Imagens fracturadas do sexteto - Thom Yorke, Phil Selway, Ed O'Brien, Jonny e Colin Greenwood andam na estrada com Clive Deamer, músico que toca com os Portishead - espalhadas pelo cenário. Bloom aparece logo mais tropical. Yorke rodopia de guitarra ao peito. 15 Step, um dos momentos grandes de In Rainbows, empina-se sobre andares de electrónica desmedida, com Yorke a dar aos braços na sua maneira peculiar. Morning Mr Magpie é servida por um solo de baixo hipnotizante. «Boa noite» diz o vocalista que agora optou pelo cabelo apanhado. Staircase podia gerar alguma impaciência para quem estava à espera de temas de OK Computer e Kid A, mas foi tão bem tocada que a falta de um disco para a situar até passou despercebida. Weird Fishes/Arpeggi foi a primeira comunhão a sério da noite, mas seria Pyramid Song a mais aplaudida mal a nota inicial saiu do piano de Yorke. A balada desencantada dos britânicos foi um dos momentos mais bonitos do Alive deste ano.
I Might Be Wrong e Climbing Up the Walls continuam a mostrar o cardápio de competência técnica do grupo. Há solos rockeiros de guitarra e breaks imprevisíveis na bateria. Dá para tudo. Até para a voz de Yorke lançar-se num falsete um pouco mais alto do que o normal e desafinar.
Em 'Nude' o ambiente é quase solene, uma ópera ou um concerto clássico. Yorke eleva a letra do tema bem acima das cabeças dos assistentes. É um momento extraterrestre, ao qual se cola o sempre adorado 'Exit Music (For a Film)'. E de repente estávamos em OK Computer e tínhamos recuado 15 anos. Os Radiohead intimistas são logo posto de lado, quando chega o crescente electrónico de Lotus Flower e a cintura de Yorke se abana como uma cobra. There There tira a malta da concentração que apreciar a riqueza do som dos Radiohead exige e é acompanhado pelas palmas. Pouco depois da hora de concerto, os britânicos saíram de palco e anteciparam um encore longo.
O regresso é feito com a calmaria de Give Up the Ghost, só com Yorke e Jonny Greenwood - o Lennon e McCartney modernos? - em palco. Reckoner é a prenda que se segue, com os ecrãs a pintarem-se de tons de cinzento. O tema de In Rainbows é claramante um dos preferidos do público. Lucky traz de novo o culto de OK Computer e a malta reage. São os anos áureos da devoção Radiohead, que pareciam não ter sido assim tão celebrados no alinhamento desta noite. É que a seguir veio Paranoid Android e as contas ficam saldadas. Era tempo de expulsar a energia acumulada e foi o que aconteceu. Milhares de vozes seguem os vários estados deste hino dos anos 90. Banda e público aplaudem-se mutuamente.
A versão de The One I Love dos R.E.M. dá o mote para Everything in it's Right Place. E confirma-se que estamos perante uma segunda parte do alinhamento. Esta a olhar mais para trás para honrar a longevidade dos fãs. Yorke sente e chega-se à frente de palco para se despedir. Ficam os loops e as palmas de O'Brien. O regresso não demora pelas paisagens de Kid A com Idiotheque. A nova saída de palco elevou o volume de palmas e a banda voltou prometendo regressar sem que passem dez anos. Já se sabia que este alinhamento ninguém o tinha ouvido este ano, mas a banda ainda oferece Street Spirit (Fade Out) do velhinho The Bends. E aqui, sim, lá partiram levando a sua aura de talento, imaginação e generosidade.