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Show completo do Radiohead no Roseland Ballroom NYC em 2011

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Podemos dizer que a The King Of Limbs tour em 2012, nasceu de dois concertos que o Radiohead resolveu fazer em NY, no lendário Roseland Ballromm em novembro do ano passado. Concerto que completa 1 ano. Quase como uma comemoração, temos agora ele completo, Via Youtube. Em entrevistas pouco tempo depois, a banda relevaria que esses dois concertos foram decisivos para a turma voltar à estrada e desafiar The King Of Limbs ao calor do público (algo que eles em algum momento julgaram não fazer). Passado a tour esse ano e observando esse mítico concerto, entendemos que foi uma atitude acertada. Radiohead ao vido é clássico por excelência.

Bom concertos a todos.

Crédito: allbearsrule

Setlist:


Bloom
Little by little
Staircase
The national anthem
Feral
Subterranean homesick alien
Like spinning plates
All I need
True love waits/everything in its right place
15 step
Weird fishes/arpeggi
Lotus flower
Codex
The Daily mail 
Morning mr magpie
Reckoner
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Give up the ghost
Myxomatosis
Bodysnatchers
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Supercollider
Nude

Radiohead fora deste mundo

Esta noite o Alive iria ouvir uma das bandas mais desejadas em qualquer palco alternativo. Dez anos depois, a coragem, a imprevisibilidade e a mão certeira dos Radiohead voltaram a Portugal e o festival parou, literalmente, para os receber.  Do outro lado, mais de 50 mil pessoas estavam prontas para guardarem os milhares de sensações que a música dos britânicos provoca. É rock. É electrónica. Códigos jazz. É um dos puzzles mais complexos e ao mesmo tempo mais necessários da música moderna. Aos olhos é isso que nos chega. Imagens fracturadas do sexteto - Thom Yorke, Phil Selway, Ed O'Brien, Jonny e Colin Greenwood andam na estrada com Clive Deamer, músico que toca com os Portishead - espalhadas pelo cenário. Bloom aparece logo mais tropical. Yorke rodopia de guitarra ao peito. 15 Step, um dos momentos grandes de In Rainbows, empina-se sobre andares de electrónica desmedida, com Yorke a dar aos braços na sua maneira peculiar. Morning Mr Magpie é servida por um solo de baixo hipnotizante. «Boa noite» diz o vocalista que agora optou pelo cabelo apanhado. Staircase podia gerar alguma impaciência para quem estava à espera de temas de OK Computer e Kid A, mas foi tão bem tocada que a falta de um disco para a situar até passou despercebida. Weird Fishes/Arpeggi foi a primeira comunhão a sério da noite, mas seria Pyramid Song a mais aplaudida mal a nota inicial saiu do piano de Yorke. A balada desencantada dos britânicos foi um dos momentos mais bonitos do Alive deste ano.

I Might Be Wrong e Climbing Up the Walls continuam a mostrar o cardápio de competência técnica do grupo. Há solos rockeiros de guitarra e breaks imprevisíveis na bateria. Dá para tudo. Até para a voz de Yorke lançar-se num falsete um pouco mais alto do que o normal e desafinar.
Em 'Nude' o ambiente é quase solene, uma ópera ou um concerto clássico. Yorke eleva a letra do tema bem acima das cabeças dos assistentes. É um momento extraterrestre, ao qual se cola o sempre adorado 'Exit Music (For a Film)'. E de repente estávamos em OK Computer e tínhamos recuado 15 anos.  Os Radiohead intimistas são logo posto de lado, quando chega o crescente electrónico de Lotus Flower e a cintura de Yorke se abana como uma cobra.  There There tira a malta da concentração que apreciar a riqueza do som dos Radiohead exige e é acompanhado pelas palmas. Pouco depois da hora de concerto, os britânicos saíram de palco e anteciparam um encore longo.

O regresso é feito com a calmaria de Give Up the Ghost, só com Yorke e Jonny Greenwood - o Lennon e McCartney modernos? - em palco. Reckoner é a prenda que se segue, com os ecrãs a pintarem-se de tons de cinzento. O tema de In Rainbows é claramante um dos preferidos do público. Lucky traz de novo o culto de OK Computer e a malta reage. São os anos áureos da devoção Radiohead, que pareciam não ter sido assim tão celebrados no alinhamento desta noite. É que a seguir veio Paranoid Android e as contas ficam saldadas. Era tempo de expulsar a energia acumulada e foi o que aconteceu. Milhares de vozes seguem os vários estados deste hino dos anos 90. Banda e público aplaudem-se mutuamente.

A versão de The One I Love dos R.E.M. dá o mote para Everything in it's Right Place. E confirma-se que estamos perante uma segunda parte do alinhamento. Esta a olhar mais para trás para honrar a longevidade dos fãs. Yorke sente e chega-se à frente de palco para se despedir. Ficam os loops e as palmas de O'Brien. O regresso não demora pelas paisagens de Kid A com Idiotheque. A nova saída de palco elevou o volume de palmas e a banda voltou prometendo regressar sem que passem dez anos. Já se sabia que este alinhamento ninguém o tinha ouvido este ano, mas a banda ainda oferece Street Spirit (Fade Out) do velhinho The Bends. E aqui, sim, lá partiram levando a sua aura de talento, imaginação e generosidade.

Rita Tristany

As luzes de The king of limbs

Via: Thom yorke br

Sem dúvida o sistema de iluminação da turnê The King Of Limbs é um dos mais belos da história. Moderno, futurístico, psicodelico, a banda realmente – como diz a Les do thom yorke br – eles conseguiram superar os geniais leds da tuor In Rainbows.

SALGANDO AS FERIDAS

Em texto confessional, crítico da Revista O Grito! revela os meandros existêncialistas da apresentação do Radiohead no Brasil
Por Eduardo Carli de Moraes

[Parte 1: ALL THESE WEIRD CREATURES WHO LOCK UP THEIR SPIRITS ]

Elvis Costello brincava que “escrever sobre música é como dançar sobre arquitetura”, ou seja, uma tarefa inglória, difícil e talvez irrealizável, já que tentamos transpor para uma linguagem o que só pode ser comunicado em outra. O que “diz” um solo ou uma melodia é indizível em mil ou um milhão de palavras escritas. Do mesmo modo como os místicos retornam de seus “transes” incapazes de falar um “a” sobre os mistérios que desvendaram, é duro achar no dicionário os termos oportunos para descrever as sensações que só os poderes mágicos da música são capazes de desencadear em nós. Quando o desafio é escrever sobre o Radiohead, que acabou de passar pelo Brasil pela 1a vez em shows antológicos no Rio e em São Paulo, o enrosco parece até se agravar. Pois, mais que um show, este é um daqueles acontecimentos existenciais que nos deixam emudecidos. Estarrecidos. De almas boquiabertas. Penando para entender algo que é tão maior que nós e que acontece num domínio além da razão e da linguagem.

Ficamos batalhando com as palavras, tentando verbalizar uma experiência que transcende em muito o mundo verbal-racional, e sabemos, de antemão, que seria impossível transmitir com letrinhas uma avalanche sensorial e uma jornada sentimental tão inefável como aquelas que nos deu a banda inglesa. Perturbador, angustiante, surpreendente, hipnótico, desolador e infinitamente fascinante: só amontoando adjetivos hiperbólicos pra dar uma vaga idéia das sensações que estão em jogo num show do Radiohead!

Thom Yorke: “quem é esse homem?”, me pego perguntando, e estou certo de que não sou o único. E quem é que ousa decifrar esse mistério? Num ser tão complexo, de alma tão vasta e cheia de nuances, convêm entrar aos tateios, com calma, sem querer respostas fáceis, deixando de lado rótulos e preconceitos, para se aventurar no labirinto íntimo de uma criatura conturbada e genial. Talvez ele, vida afora, já tenha sido taxado com todos os termos pejorativos com que os normopatas denigrem a imagem dos que são diferentes da média: creep, weirdo, freak, loser, nerd, louco – e por aí vai, que a maledicência humana não tem limites. Um show do Radiohead, no entanto, faz com que a gente se pergunte: não é extremamente tênue a linha que separa o louco do gênio? Um “desajustado social” não está, muitas vezes, perto de se tornar um visionário que possui um olhar muito mais são do que a dos ajustadinhos? Este homem, que alguns podem ver como um compêndio vivo de dúzias de patologias psíquicas, não seria, na verdade, um dos artistas mais brilhantes de nosso tempo e uma das mais lindas vozes que já tivemos o prazer de ouvir com nossos tímpanos deliciados?…

O brilhante crítico de rock Simon Reynolds, no livro Beijar O Céu, comenta: “Se o Radiohead é um caso de ‘ame ou odeie’ – e eles parecem induzir reações violentamente polarizadas – muito disso se deve à voz de Thom Yorke, a lástima que são seu tom e textura naturais. ‘Deprê’, ‘chorão’, e ‘torturado’ são os tipos de adjetivos lançados pelos que o hostilizam. Os fãs, em comparação, tendem a falar em ‘bela tristeza’. Essa resposta dividida lembra como Morrissey dividia os ouvintes em 1983, entre aqueles que consideravam sua voz um néctar para o ouvido e os que a achavam irritante como passar a unha na lousa.”

Verdade. Mas taxar a música do Radiohead de “deprê” e pensar que esse rótulo simplista dá conta de descrever todo o caleidoscópio de abismos, céus, vertigens, decolagens, quedas e montanhas-russas emocionais que a banda nos causa é muita rasidão.

É verdade que talvez não nos surpreenderíamos muito se, qualquer dia desses, os jornais do mundo anunciassem de repente que Thom Yorke, no rastro de Cobain, tornou-se o mais novo rock star suicidado que vai-se da Terra deixando uma multidão de órfãos desconsolados. Mas talvez é isso o que faz essa música ser tão comovente e angustiante: justamente essa sensação que podemos ter, ouvindo Radiohead, de que a morte de Thom Yorke sempre foi e é uma iminência. Há certas músicas tão aflitas que sentimos que aquele homem, que as canta, está por um triz – o túmulo aberto já o espera e tudo o que ele precisa é de um empurrãozinho para ali cair…

Chega a ser quase um choque notar que ele é um sobrevivente e que provavelmente vai continuar no reino dos vivos ainda por muito tempo. Ele parece fazer arte para não morrer, e não morrer somente por ter a arte como aliada e como tábua de salvação. Ele parece fazer música para não sufocar, agarrando-se a ela como um asmático à sua bombinha de oxigênio. E é esse tipo de expressão aquela que mais nos comove: sabemos que ele não está de brincadeira e que essa criação, para ele, tem uma importância existencial incomensurável.  Talvez por isso o Radiohead seja um oásis de autenticidade num mundo pop saturado de lixo fake e Thom Yorke uma das fontes mais puras de emoção genuína em meio a tantos corações enregelados e brutos.

[Parte 2: ICE AGE COMING, ICE AGE COMING!]

Os “papas da música eletrônica”, os alemães do Kraftwerk, já devidamente consolidados na história do pop como cruciais precursores, ficam parecendo ninharia em contraste com o Radiohead: dá para reconhecer a importância histórica que tiveram, mas não podemos evitar a sensação de que foram superados. Soam hoje como um Atari perto de um Playstation III ou um vinil ao lado de um iPod. Com seu kraut-rock burocrático, mecânico e gélido, onde o artificialismo soterra qualquer sonoridade mais cálida e genuína, o Krafktwerk é a música que faria o planeta Terra se fosse completamente dominado por robôs e computadores, com a raça humana e sua voz subjugados e silenciados para sempre. Apesar de ser possível dançar ao som de Kraftwerk, essa música não soa nada hedonista: ao invés de convidar à farra, os caras parecem instigar uma reflexão sobre a natureza da tecnologia e nossa relação com ela. Estaremos de fato no controle ou seremos derrotados e barbarizados por nossas próprias criações, como sugeria toda a paranóia de Matrix? O levante dos robôs tomará conta também do ramo da música?

O Kraftwerk é uma profecia tenebrosa do que seria o futuro humano se a Tecnocracia vencesse a Batalha Final. Profecia, aliás, que vem sendo comprovada pelo andar da carruagem dos tempos! É música que parece provir de algum filme sci-fi distópico e desesperançado, onde só as máquinas fariam música e o coração humano não mais cantaria (muito menos os rouxinóis!). A imobilidade dos membros da banda no palco, como se fossem meros empregadinhos assalariados de PCs , notebooks e sintetizadores, é um símbolo de uma humanidade desumanizada e mecanizada que não serve mais pra muita coisa além de apertar botões em um controle remoto. Neste inferno de gelo de batidas repetitivas e desumanas chegamos a rezar por um solo de violino ou uma voz de mulher, doce e melodiosa, que nos salve de tanto negrume e tanto ritmo sem doçura.

E não foi à toa que a organização do festival escalou o Kraftwerk para abrir o show do Radiohead: quando os ingleses subiram ao palco, não deu pra sentir nenhuma “ruptura” radical entre as duas bandas. Era como se fossem da mesma laia, da mesma turma, da mesma família – como um avô antiquíssimo comparecendo ao ritual de consagração de seu neto mais brilhante. Kraftwerk abrindo para o Radiohead é um emblema muito simbólico: os precursores alemães, vindos dos primórdios do pop com sua visionária tosqueira tecno, abrindo alas para os ingleses que, a partir dos anos 90, tornaram-se a mais fina vanguarda tanto do rock quanto da eletrônica mais underground – sem nunca terem esquecido de reconhecer a dívida que tinham com aqueles que abriram antes caminhos e atalhos. Um show desses mostra que chamar o Radiohead de uma “banda de rock” é uma impropriedade, ainda mais considerando que nesta década que se acaba em 2009 a ênfase principal deles foi na Eletrônica Experimental e não nos guitarrismos característicos do brit-pop.

Simon Reynolds comenta que, na fase pós-OK Computer, “saturado de música contendo guitarras e voz, Thom Yorke adquiriu todo o catálogo da Warp e começou a comprar discos obscuros de IDM (Inteligent Dance Music) pela internet. Por muito tempo durante as sessões de Kid A ele tinha perdido o interesse por melodia, explorando apenas textura e ritmo.” O Radiohead, depois de ter levado o britpop até seu pico, cometendo um clássico inigualável em OK Computer, afundou-se num outro mundo: o sentimentalismo deu lugar a uma certa “serenidade” e o experimentalismo tomou conta e chutou pra muito longe qualquer migalha de comercialismo. A banda que antes dizia-se influenciada por R.E.M., Joy Division, Elvis Costello e Talking Heads começou a desejar ser como Aphex Twin, Autechre e Tricky. Penetrando cada vez mais no deserto, longe dos holofotes do pop, Thom Yorke saturou sua alma com audições de Charles Mingus e Miles Davis e chegou a inventar um jazz dos infernos para a era da eletrônica (”The National Anthem”).

A era glacial está chegando e o Radiohead surge sugerindo: “throw it in the fire!” (”taque-a no fogo!”) Os versos de “Idioteque” são sintomáticos: ela, uma das músicas mais saturadas de eletrônica que a banda já compôs, traz ao mesmo tempo a melodiosa e pungente voz de Yorke em levante contra a frieza maquinal que vem em maré montante em nosso mundo de airbags, aviões e Ok Computers. É como se eles tremessem e sentissem calafrios com a chegada das nevascas, e a música fosse um levante do fogo contra as forças do gelo.

E foi esta a banda que desembarcou no Brasil: a banda experimental de vanguarda, radicalmente à frente de seu tempo, incoverizável e inimitável. A banda que não faz concessões e que consegue permanecer fidelíssima a uma proposta artística original e pra lá de relevante, ainda que tenha que conviver com todas as cruéis engrenagens do mundo do pop, do hype e do showbizz. Grandes hits foram tocados (”Creep” e “Fake Plastic Trees”), mas a essência do show foi outra: mais arte que entretenimento, mais perturbação do que conforto, muito mais uma tentativa de nos angustiar e estarrecer do que um espetáculo de entretenimento de massas.

“Acusações de falta de senso de humor são frequentemente lançadas ao Radiohead, mesmo considerando que em entrevistas eles são caras bem espirituosos”, comenta Reynolds. E de fato pudemos comprovar: um show do Radiohead não tem nada de “divertido” ou “simpático”, mas esse hedonismozinho de meia-tigela que motiva muita gente que frequenta shows parece uma besteira frente à Arte Provocativa e Dilacerante de Thom Yorke e companhia. “É exatamente o fato de o grupo ter invocado outra vez a seriedade art rock e sua rejeição à leviandade e à frivolidade que na verdade representa o diferente na cultura pop atual, impregnada que está de gritaria machona e sem cerimônia, de afetação heterossexual (de Robbie Williams a todos aqueles programas de nostalgia dos anos 1980) e de ceticismo desconfiado que banaliza a intensidade ou qualquer tipo de procura por uma visão”, sugere Reynolds. “Mas Yorke diz que consegue entender a demanda por entretenimento leve. ‘O motivo pelo qual as pessoas querem tanto escapar é que têm muita coisa do que fugir. De certa forma, a última coisa que qualquer um precisa é de alguém salgando as feridas, que é meio o que estamos fazendo.’

[Parte 3: BRUISES THAT WON'T HEAL]

À frente do Radiohead, Thom tornou-se mais um desses anjos caídos ou seres desajustados que vira “porta-voz de uma geração”. O sucesso estrondoso da banda mostra o grau extremo de identificação por parte de todos aqueles que se sentem excluídos, renegados, mau-amados, horrendos, angustiados, melancólicos, confusos e solitários – enfim, todos que conhecem alguma das diversas maneiras de se sentir “como se não pertencêssemos a este lugar”. O mundo visto como um purgatório gelado, um exílio onde padecemos mais do que nos deliciamos, à espera de uma libertação que não chega jamais, enquanto cantamos e dançamos como desesperados à beira de um despenhadeiro.

Os antropólogos e psicólogos de 2100 (ou além) talvez olhem para trás e enxerguem no Radiohead – que é a História da Cultura acontecendo perante nossos olhos e ouvidos! – um sintoma de uma época espiritualmente doente: saturada de confusão, desnorteamento e ruas sem saída de melancolia. Mas talvez notem também que ergueu-se desse pântano de desconforto um canto de beleza tão elevada, uma música tão profunda e comovente, que chegamos a pensar que, de fato, só faz boa arte aquele que sofre como um desgraçado. E que figura, na arte dos nossos tempos, é maior que Thom Yorke como um exemplo monumental do que significa “Angústia Existencial”?

O fato dessa música ser inegavelmente comovente, aventureira e instigante não impede, porém, que se coloque em questão a “mensagem” do Radiohead para o mundo moderno. Reynolds arrisca um comentário sociológico-político: “Yorke está literalmente dando voz a sentimentos contemporâneos de deslocamento, ausência de posse, apatia, impotência, paralisia; impulsos amplamente sentidos de se retrair e se desengajar que são reações perfeitamente lógicas e desanimadas à falência das políticas de centro, que asseguram que todos permanecem igualmente desencantados e aflitos.” O fanatismo exagerado não deve nos cegar contra essa dimensão “perigosa” do Radiohead: a de uma banda capaz de disseminar “apatia, impotência, paralisia”, como sugere Reynolds.

É como se o Radiohead fosse a banda-símbolo de uma geração nascida depois do crepúsculo das utopias, que pegou carona na ressaca do grunge sem ter mais ideais no horizonte. A fúria foi substituída pela tristeza, a revolta pelo chororô e a luta pelo cansaço. O espírito transformador e entusiástico do Maio de 68 francês, ou do Verão do Amor hippie, ou do levante punk de 77, estão completamente ausentes daqui. E, apesar do Radiohead ser, no fundo, uma banda de uma dimensão política considerável (nem tudo são lamúrias sentimentais: há toda uma vasta crítica cultural na arte da banda!), no fundo parece que sobressai um clima apático e melancólico ao invés de um espírito de pegar em armas (ainda que poéticas!) para derrubar os poderes malignos que nos prendem nas teias da tristeza. O Radiohead é o símbolo máximo de uma geração que, se fosse pra se tornar junkie de algo, seria de Prozac e não de Marx.

Sim: o Radiohead está aí para salgar nossas feridas, para abrir novas e para espalhar pelo ar da cultura um prolongado canto de lamúria, desencanto e protesto. É com certeza a banda mais complexa, fascinante, inspiradora e histórica de nossos tempos. Dá pra dizer sem muito exagero que o impacto que tiveram os Beatles no cenário cultural dos anos 60, o Led Zeppelin nos 70, os Smiths nos 80 ou o Nirvana no dos anos 90 é equiparável à influência do Radiohead no nosso zeitgeist. A angústia existencial e a longa batalha contra a melancolia, além dos temores em relação ao futuro tecnocrático digital, que nos transformaria em “andróides paranóicos” e robozinhos sem coração, dá o tom de uma arte que é o nosso retrato, o nosso abismo e a nossa comoção.

NOTA

Thom Yorke, na folga, foi fazer uma visita à cidade de Valparaíso (Chile), cidade litorânea colorida na costa do Pacífico, onde o poeta Pablo Neruda tinha uma casa etc. Abordado por um brasileiro (claro…) na rua, Thom Yorke se viu diante da pergunta “Nos shows da América do Sul, qual o momento que você achou mais importante?”. Yorke respondeu: “A hora em que o público cantou ‘Paranoid Android’ em São Paulo”.

No blog “Popload” .

Tudão

 

Tudo no seu lugar certo. Mesmo sem nunca ter ido a um show desses caras, eu já sabia que seria aquilo – a perfeição. De quem eu estou falando? No caso de alguém ter chegado agora de um retiro de dez anos no Círculo Polar Ártico, vale a pena dar um pouco mais de informação sobre nosso tema de hoje: a apresentação de uma das bandas mais esperadas por estas terras, que finalmente aconteceu neste fim de semana. Como diziam as manchetes de quando os Rolling Stones finalmente vieram ao Brasil, a espera acabou: o Radiohead tocou na sexta-feira (20) no Rio, e domingo (22), em São Paulo. Nessa segunda noite eu estava, digamos, “ocupado” – trabalhando. Mas a do Rio eu peguei, depois de um dia atribulado (minha sexta começou cedo em São Paulo entrevistando o estilista Marc Jacobs, e continuou numa usina de reciclagem de lixo no bairro do Caju, no Rio). Já no início da noite, de volta à Redação do “Fantástico”, eu olhava constantemente o relógio, torcendo para que a lista de coisas para adiantar não colocasse em risco a operação que eu tinha montado para ver o Radiohead no Sambódromo.
Morto do pescoço para cima – essa era a minha imagem olhando para a tela do computador da minha mesa, às 20h30: um zumbi tentando ficar livre de todas as obrigações, para sair do bairro do Jardim Botânico no horário limite de não perder o show - 21h30 (não cheguei a duvidar nem por um momento da pontualidade prometida – e cumprida – pelo Radiohead). Saí no último segundo possível, e, quando o táxi me deixou na boca da Sapucaí – um lugar que costumo freqüentar só no Carnaval para experimentar a incomparável sensação de passar da concentração da escola onde saio para o desfile em si –, pouco depois das 22h, ao ouvir nos auto-falantes lá longe um reggae indistinto, sabia que aquela não era “minha” banda. Eu havia chegado no intervalo. E que não era entre Los Hermanos (que lamentavelmente perdi) e Kraftwerk (que adoraria ter visto mais uma vez), mas entre Kraftwerk e Radiohead. Alguma coisa estava para acontecer, porém…

Só porque você a sente, não significa que ela está ali. Será mesmo que eles, os caras do Radiohead iriam entrar dali a alguns minutos naquele palco? Obviamente, meu nível de expectativa estava nas alturas. Os amigos que encontrava pelo Sambódromo já estavam em diferentes níveis de, digamos, excitação – e eu tentava decidir em qual deles me encaixar. Antes que eu fizesse essa escolha, porém, como que trapaceado pelo meu relógio que esqueci de consultar, as luzes se apagam e em questão de segundos reconheço “15 step”. “Achtung baby!” – o show já é.
Eu costumava pensar que não existia futuro algum. Pelo menos não nos shows ao vivo. Meus leitores mais dedicados sabem – e quem já leu meu livro “De a-ha a U2” também – que eu tenho um “problema” com bandas se apresentando ao vivo. Essa é uma questão muito longa que não vale a pena discutir (novamente) hoje por aqui, mas basta dizer que eu sempre preferi a música gravada à interpretada no palco. No entanto, mesmo antes de “15 step” acabar, quando os primeiros acordes letais de “Airbag” ainda eram uma possibilidade, eu saquei que ali poderia voltar a sentir o mesmo entusiasmo por esse tipo de performance que vivi quando vi Kurt Cobain, no saudoso Hollywood Rock, cuspir nas lentes das câmeras que transmitiam o show do Nirvana ao vivo. Radiohead estava se apresentando – e, em questão de minutos, tinha tomado completamente o poder naquela noite: todos ali estavam irremediavelmente sob seu comando.

Por um minuto ali, eu me perdi. Estava tão atordoado de estar finalmente assistindo a um show do Radiohead que, a exemplo do fora que tomei de Michael Stipe (R.E.M.) quando me vi entrevistado esse grande ídolo pela primeira vez (ele, percebendo que eu estava à beira da tietagem, encerrou a entrevista na mesma hora – mais uma história do meu livro de encontros com os grandes nomes do pop), dei uma “descolada” de mim mesmo. Foi como se eu tivesse saído do meu corpo e tivesse tido assim a chance de ver eu mesmo vendo uma banda adorada tocar – e, pior (ou melhor?): como se eu não estivesse acreditando no que estava vendo. “There there”, “All I need”, “Karma Police”, “Nude”, “Weird fishes/Arpeggi” – o que estava acontecendo? Eu tinha a ilusão que eles estavam tocando todas as músicas que eu havia pedido. Será que Thom Yorke recebeu meu email? O bilhete que deixei na portaria do hotel?
Suas orelhas deveriam estar queimando. Não havia passado ainda nem uma hora de show, e você tinha a impressão de que já tinha ouvido todos os sons do universo. Mas aí, depois de “The national anthem” e “The gloaming” – ambas devastadoras – veio “Faust arp”. E tudo começou a desmoronar. Para cima. Na sua intrincada simplicidade, nos seus frágeis dois minutos e pouco, a música era o respiro necessário para fãs que, como eu, precisavam se conectar novamente com seus sentidos. Aos poucos, enquanto nossos pés se aproximavam novamente do chão, a serenidade ia voltando ao Sambódromo, e o único desejo desse humilde servo era que toda a experiência de até então, como diz a própria música, duplicasse e triplicasse. Um momento de paz, enfim – era o que eu pensava. Mas aí veio “No surprises”…

Eu estou surpreso que sobrevivi. Os cilindros iluminados, que definiam brilhantemente o espaço de apresentação da banda com cores, desenhos e movimentos coreografados, agora pintava uma forma geométrica estática, que lembrava uma igreja – mas nós ali na platéia sabíamos que não estávamos diante de nenhum templo, mas do próprio céu. O impacto dessa dobradinha (“Faust arp/No surprises”) certamente vai ter conseqüências para o resto da minha vida. Mas enquanto estava ali, assistindo tudo, sem tempo nem sobriedade para codificar o que se passava, quem disse que eu conseguia elaborar sobre isso? “Jigsaw falling into place” não me ajudou em nada a recobrar a consciência – e foi só no pequeno hiato entre essa música e a introdução da seguinte (que eu custava a reconhecer), que reencontrei algum equilíbrio. Foi então que ouvi Thom Yorke murmurar “who’s in the bunker?” – e tudo ficou novamente fora de controle.
Aqui eu podia tudo o tempo todo. E esse estranho sentimento não era só meu. Muitas pessoas em volta de mim que demoraram ainda mais que eu para reconhecer “Idioteque” (uma das cinco melhores faixas que o Radiohead já compôs, na minha opinião) já dançavam involuntariamente – como que tomados pelo transe de uma pista de dança surrada às 4h30 da manhã. Mas ainda era por volta de meia-noite (se é que eu podia confiar nos relógios à minha volta) e eu não sabia mais explicar nada. “I might be wrong”, “Street spirit (fade out)”, “Bodysnatchers” e “How to disappear completely” encerraram o que era – um pouco obviamente demais – um “boa noite” de mentira.

Você vai para o inferno pelo que sua mente suja está pensando. Mas mesmo assim, você (e todo mundo) não sai do lugar desejando que o Radiohead voltasse logo e tocasse aquelas músicas que você passava incessantemente pela cabeça – as que você não tinha ouvido ainda. E poucos minutos depois, como que para recompensar esse seu esforço mnemônico, eles entram como uma seqüência inacreditável: “Videotape” (a segunda melhor faixa de “In rainbows”, depois de “Faust arp”), “Paranoid android” (!!!), “House of cards” (com o mantra “I don’t want to be your friend, I just want to be your lover”), “Just” (das antigas!), e, claro, “Everything in its right place”. Achei que tinha terminado. Fui deixando a praça da Apoteose vagarosamente, ainda com os ecos da introdução inesquecível da faixa de abertura de “Kid A”, quando, da maneira mais discreta possível, Yorke volta ao palco para cantar “You and whose army?” – discrição, no caso, marcada pela imagem do rosto multiforme do cantor cantando bem próximo a uma das câmeras do palco, enquanto também trabalhava o teclado. “Reckoner” veio em seguida – e, embora impecável, parecia uma canção improvável para fechar uma apresentação desse porte. Eles tinham que cantar mais uma… talvez “aquela”? Meu palpite era de que eles viriam com “Fake plastic trees” – que embora não fosse das mais animadas do cânone “radioheadiano”, fecharia o “set” como um clássico indiscutível. Mas aí veio “Creep”.

A poeira e a gritaria. Era só isso que eu via quando, com as luzes todas do palco no talo – e ajustadas para emitir um branco intenso –, vinha aquele refrão surreal, o maior hino (ao lado de “Loser”, de Beck) ao fracasso da adolescência que não acaba nunca. De vez em quando um flash multicolorido quebrava aquela claridade, surpreendendo os olhos que achavam que já tinham registrado todas as variações possíveis dos criativos enquadramentos dos próprios membros da banda pelo palco, projetados nos telões eletrônicos. “What the hell I’m doing here?” – quisera eu saber…

Sem alarmes e sem surpresas. Isso que acabei de relatar aqui – uma descrição aproximada da experiência de assistir ao primeiro show do Radiohead no Brasil –, por mais arrebatador que possa parecer, era exatamente o que eu esperava. Aliás, foi mais: eu esperava tudo – e veio “tudão”. Lá dos idos de 1993 – quando eu, por acaso, capturei a banda na primeira entrevista para a televisão da carreira deles (sim, outra história contada em “De a-ha a U2”) – até a primeira audição (e todas as outras que vieram) de “In rainbows”, eu já contava com isso. A surpresa maior seria se eles não cumprissem essa promessa. Mas eles não fariam isso comigo – nem com ninguém. E é por isso que prestei uma pequena homenagem à banda neste texto que, muito provavelmente, eles nunca vão ter a chance de ler. Que homenagem? Você me acompanhou até aqui e ainda não percebeu? Tem certeza de que é um fã do Radiohead? Se você descobriu a “charada”, seu comentário com a resposta será tão bem-vindo quanto outras opiniões sobre o show (a sede de saber o que as outras pessoas acharam desse evento é insaciável – passei o fim de semana discutindo esse assunto, e ainda quero mais!). Se não sacou ainda, na quinta eu desvendo o mistério. Quer uma pista para ajudar? O segredo está sempre no começo de tudo…

ZECA CAMARGO

NO BLOG G1

RADIOHEAD: W E H O P E T H A T Y OU C H O K E

 

A fase In Rainbows do quinteto inglês Radiohead é seu momento mais alegre, era de maior doçura desde que a banda inglesa assumiu a cabine da nau que leva o rock pelos mares profundos da experimentação eletrônica, eletroacústica e orquestral. Aportados na fama, a banda ganhou leva de fãs e apontou um novo modo de criar música pop. O show apresentado no Just a Fest foi a perna latinoamericana da turnê madura de uma banda que não quer ser a maior do mundo, apenas é naturalmente atual.

Tudo fluiu para que o grupo encantasse: o dub opiáceo no intervalo, o suntuoso palco dórico de som cristalino (sem logotipia), a psicodelia política das bandeiras do Tibete, os tubos acortinados que, como bits gigantes decorativos, podia ser um vela flutuante, um mármore caramelizado, ou o mais puro vermelho sanguinário e estróbico. Tudo no show deles soa novo ou simplesmente estupefato. Os holofotes eram paradoxalmente lindos, em forma de brilhantes, ao mesmo tempo que o telão exibia closes viscerais do rosto de Thom Yorke cantando. Ou gemendo, porque a musicalidade do quinteto é tanta e a resposta do público era tão proporcional, que ele só precisava balbuciar para assumir tons de um barítono púbero.

Foram 20 e poucas músicas, mais de duas horas, três bis e todas aquelas que milhares de fãs queriam ouvir. "Creep" foi redentora e encerrou com o palco fluorescente e cores epilépticas. A banda e seu "you're fucking special" subvertem a o american dream roqueiro de banda perfeita, carismática e bonita. E isso sem bater continência a qualquer outro engodo que, assim como os EUA, a Inglaterra pode criar. Num só riff e gemido de "Lucky", Ed'O Brien engole e vomita tudo que Pulp, Strokes, Oasis, Blur e o britpop criaram em anos. Eles são tímidos e reservados, mas não humildes - apenas objetivos. "The best you can is good enough" (em "Optimistic") resume bem as sempre pontuais intenções da banda, enquanto guitarras flamejantes empurravam a tensão até uma explosão de luzes de lava e epopéia rocker, a bateria posta estratégicamente lá atrás para exigir mais de Phil Selway.

Ali na muvuca do meio, não muito longe de Thom mas também não no gargarejo, as reações eram múltiplas: berros e saudações, canto espontâneo - palmas, muitas palmas - e um bingo de fã pedindo, decifrando ou adivinhando o nome de alguma canção, o que criava uma mistura de verbetes extranhos como "subterranean telex just, just! JUST! paranoid android"... Nessa confusão do som pós-moderno os hits, momentos tão humanos e identificáveis entre artista e público. "Paranoid Android" consumiu um bloco inteiro com seu refrão detentor de guitarra arisca e suja, o back2back entre o público na letra certa e Yorke cantando inverso, toda uma missa Radiohead com ápice na moribunda e acústica "Exit Music": o céu estrelado, notas flutuantes e assustadoras de Jonny Greenwood e público em silêncio cantando o vale das almas. "Breathe, keep breathing"...

Em "The Gloaming" (o crepúsculo), a dicotomia rock e eletrônica da banda teve seu ponto alto, com o verde cor de bit, a base dubstep achatada e Thom Yorke cantando mais melódico e delicado do que o que se ouve no disco (Hail to The Thief, 2003), quando no final alguém na mesa ou sei lá onde picota a saída do microfone em diferentes caixas e lugares no espaço. Mais intervenção na inserção de rádio local em "The National Anthem", que Yorke explica em sua única e boa entrevista ao Brasil; e também na gravação do barulho e das reações da platéia perto do fosso, utilizadas como interlúdios e camadas de um modo que não se entendia de onde vinha aquele som. É como um grande "live act", em que tudo é construído e orquestrado ali. Como quando alguma guitarra geme e os bumbos são golpeados em marcha por Ed e Jonny, Thom dançando esquisofrênico e bizonho, até que num pulo ele para tudo o que acontece, a música acaba e ele no mesmo instante vai até a lateral e conversa algo muito que precisamente com alguém da produção.

Como dito, In Rainbows é doce, quase pueril, mas quente - em "House of Cards", o infalível verso "I don't wanna be your friend / i just wanna be your lover". Sobre a doçura, "Weird Fishes/Arpeggi" e "Reckoner" são tão possíveis de associação com a infância quanto "Fake Plastic Trees", conhecida aqui por uma campanha de TV para crianças deficientes. Em "Videotape", o espamo de delicadeza de Thom (que ele comenta na entrevista do Edgard Piccoli) abre para um dos encerramentos, o arpeggio de "Everything in It's Right Place" e a acidez do limão matinal.

E o show é mesmo como um choque, que frita o cérebro e arregala os olhos alma adentro a serviço da expressão humana, algo muito além de rock'n'roll, música eletrônica, "coisa de depressivo" e uma ou duas canções famosas. Para os iniciados, Radiohead ao vivo é a entrada tridimensional para um mundo sonoro e visual de questões conflituosas e canções dançantes e assustadoras - o que importa é que elas são intensas.

Os não-iniciados puderam entender mais a banda nestes shows brasileiros, e fica a apresentação de uma epopéia sonora e confusa, mas fascinante como o brilho mais intenso de um diamante luminoso em forma de LED, ou o simples e contagiante solo de guitarra dançante. Mesmo que não tenha despertado o deslumbre, a incompreensão é prova da amplitude artística da banda.

Para muitos do que saíram da Chácara do Jockey, algo muito sério acabara de acontecer. Ficou a sensação abobada de ver o espetáculo musical mais significativo da nossa geração, com todos os superlativos que sua alma disconexa possa arranjar. Nós vimos o futuro, e ele estava logo ali.

Resenha de: Jade Augusto Gola

Site>rraurl.uol.com.br

22 DE MARÇO DE 2009, CHÁCARA DO JOCKEY, SÃO PAULO

 

Depois de uma estréia histórica no Rio de Janeiro, a banda rumou para São Paulo e lá mudou o repertório, surpreendeu ainda mais quem já havia visto a banda no Rio ou fora do Brasil e não fez concessões comuns a bandas que se apresentam por aqui (camisa da seleção brasileira, bandeiras nos amplificadores, etc). Não deixou espaço para mais nada além de seu espetáculo.

E que espetáculo! Talvez seja um pouco cedo para definir como histórico o último fim de semana, mas ao mesmo tempo não dá pra escapar do clichê. O showbiz brasileiro já pode se dividir entre antes e depois da visita do Radiohead ao país (esperamos que seja a primeira de muitas). Perto deles, quase todos os outros shows viram brincadeira de criança e alguns soam até mesmo amadores (inclusive os dois que abriram o tal "Just a Fest": Los Hermanos e Kraftwerk). O leitor pode achar que este escriba está exagerando. Sou obrigado a me defender colocando na roda a pesquisa informal que fiz pela Chácara do Jockey.

O Instituto Datajames perguntou a alguns presentes o que haviam achado do show. As respostas não foram iguais, mas todas rumavam para a mesma direção: "histórico", "melhor show da minha vida", "incrível", "inacreditável". Não houve quem não gostasse. Zero porcento. O Radiohead conseguiu 100% de aprovação e não é difícil entender o porquê. Banda amada pelos indies, prometia uma visita ao país há mais de dez anos. Possui um séquito de fãs fiéis e influenciou gerações e gerações de músicos e amantes da boa música. Ainda assim você pode afirmar que isso tudo é exagero. Bem, então você não viu o show.

No palco, o Radiohead é ainda melhor. Cenário, iluminação, performance cênica e musical, setlist, tudo funciona! E tudo é perfeito. Por vezes chega a ser inacreditável que aquele som é produzido por apenas cinco pessoas. A diferença está exatamente na competência. Enquanto a elegância de Ed O Brien e a postura guitar hero de Jonny Greenwood constroem camadas e camadas de guitarras e climas, a cozinha absurda de Colin Greenwood e Phil Selway parece ser discreta e não se sobressai. Apenas parece. E Thom Yorke? O "ratinho" mais famoso da música mundial canta como poucos, é carismático, capaz de deixar a multidão sem fôlego, mas ao mesmo tempo é tímido de dar dó. Um contrasenso? Sim, mas o que seria da banda sem este delicioso contrasenso?

o que dizer do setlist do show? Diferente em uns 60% do show do Rio, a banda mostrou uma faceta um pouco mais indie, ao tirar da cartola pérolas como "Optimistic" e "Pyramid Song", mas sem se esquecer dos hits. Difícil mesmo é apontar destaques, mas talvez a comunhão público-banda na dobradinha "Paranoid Android/Fake Plastic Trees" e a versão de tirar o fôlego de "Exit Music (For a Film)" tenham sido os destaques.

Sim, teve "Creep" e um final apoteótico. Teve também todo o álbum "In Rainbows" e mais pérolas ("Climbing Up The Walls", "You and Whose Army"). E teve também uma mensagem de uma amiga hoje de manhã, que eu vou reproduzir na íntegra:

"James, to totalmente sequelada do show. Acordei hj e fui direto comprar um violão. Mais uma cantora de chuveiro que renasce das cinzas"

É este tipo de reação que um show do Radiohead causa nas pessoas. Ninguém fica indiferente. Em inglês, existe a expressão "of a lifetime". A tradução semi-literal seria "show para uma vida".

E foi mesmo.

Resenha por: Rodrigo James

Site> programaaltofalante

Radiohead para fãs – espera recompensada

 

Se você está lendo esta resenha, é o tipo de pessoa que, de algum modo, vai saber responder à pergunta: “onde você estava quando o Radiohead tocou no Brasil?”. As respostas podem ser inúmeras: “Viajei de Recife para ver os dois shows”, “só fui no Rio”, “vi pela TV”, “fiquei do lado de fora negociando com cambistas”, “eu trabalhei”, “fiquei com raiva do preço (ou do tamanho do público, ou da distância do local do show) e resolvi passar o domingo em casa”.

Provavelmente deve ter alguma história sobre como conheceu a banda: comprou o CD importado do álbum “The bends” ou a edição nacional de “Ok computer” após ler alguma resenha, baixou por curiosidade o primeiro pirata de “Kid a”, ou fez download gratuito (e legal) de “In rainbows”. E deve ter aguardado ansiosamente, desde então, o dia em que a banda tocaria ao vivo no Brasil.

Mas como diria o quinteto inglês em uma de suas próprias canções, “true love waits” (“o amor verdadeiro espera”). E o Radiohead se esforçou em cada momento de seu show para fazer a espera valer. Começando pelo repertório: no primeiro bis, o set list inicialmente incluía “Wolf at the door”, mas a música foi trocada para “Fake Plastic trees”, um dos maiores hits do grupo no país.

Foi uma apresentação para fãs fiéis, daqueles que conhecem todas as músicas de “In rainbows” (o álbum de 2007 foi tocado na íntegra) ou a letra do lado b “Talk show host”, da trilha sonora do filme “Romeo + Juliet”. Em retorno, a banda sorria, pulava, dançava, olhava feliz e perplexa (como deve fazer noite após noite) para a plateia.

O Radiohead não é uma banda comum, e eles demonstram isso até na hora de fazer o público participar do show. Além das tradicionais palminhas e mãos para cima, a banda grava a própria plateia cantando e depois toca a gravação de volta, gerando momentos emocionantes como em “Karma police” e especialmente “Paranoid android”, quando a música virou um dueto entre o público e o vocalista Thom Yorke.

Arriscando uns “obrigado” e “boa noitchi”, Yorke foi o mestre de cerimônias tímido que o som do Radiohead promete e precisa. Sorri, canta de olhos fechados, faz gestos para o público, dança desajeitadamente, fala pouco. Em um dos momentos mais estranhos e intensos do show, para em frente da câmera (uma das inúmeras espalhadas pelo palco, mistos de webcam com vídeo de segurança) instalada no piano, olhando fixamente enquanto canta “You and whose army” – vai se aproximando, e a lente parece que vai perfurar seu olho.

Desde “Kid a”, o Radiohead vem ensinando como se fazer rock sem usar guitarras – isso faz com que Ed O’Brian e Jonny Greenwood transformem-se em muilti-instrumentistas, tocando percussão, teclados, samplers e o que mais vier pela frente. Por outro lado, exploram o potencial das próprias guitarras – assim como Jimmy Page do Led Zeppelin, Greenwood chega a usar um arco de violino para tocar “Pyramid song”.

Além do telão mostrando as imagens das câmeras fixas apontadas para a banda, o palco também é adornado por uma série de colunas luminosas, que vão mudando de cor a cada nova música.

Mas o principal personagem do show foi o próprio público, reagindo entusiasmado o tempo todo a um som nem sempre convidativo ou “fácil”, pulando, acendendo isqueiros, pedindo músicas, dizendo que “o mundo pode acabar agora”, chorando, ficando no mais absoluto silêncio. Foi para aquelas duas horas e vinte minutos de show que cada uma das trinta mil pessoas esperaram por muito tempo (uns doze anos, outros nove, outros dois). E o pacto informal entre banda e plateia foi cumprido à risca: todos ali fizeram valer a pena, até o fim.

Resenha Por Amauri Stamboroski Jr.

para o portal G1

RADIOHEAD: SHOW DA DÉCADA

 

Difícil escolher por onde começar ao falar sobre o show do Radiohead, no último domingo, na Chácara do Jockey, em São Paulo. A esta altura, o caro leitor já deve ter lido de tudo na extensa cobertura feita pela internet – até mesmo boas gravações piratas já podem ser baixadas na rede. Mas há coisas que merecem a tinta do papel para a posteridade, e a noite de domingo é uma delas. Se o Radiohead mudou os rumos da música pop com o disco Ok Computer (1997), podemos dizer que a turnê atual, do disco In Rainbows, é a continuação desta revolução nos palcos.

O Brasil recebeu o show de rock da década. Que me perdoe o U2 e sua pirotecnia, mas a banda de Thom Yorke mostrou que não são grandes telões que fazem o rock virar arte. A escolha do set list, completamente intuitiva – as músicas de São Paulo foram diferentes das do Rio, sem prejuízo para nenhum dos lados –, demonstra a diferenciada relação que o grupo mantém com sua música. “Vamos com o que estamos sentindo”, definiu Thom Yorke em entrevista a Edgar Piccoli, antes do show. Enquanto o pessoal do Rio conferiu Street Spirit, No Surprises e Just, o de São Paulo ganhou Exit Music, Lucky e Fake Plastic Trees. Quantas bandas no mundo podem se dar ao luxo de fazer dois set lists perfeitos e diferentes em uma mesma turnê?

A infraestrutura do palco fica na medida certa entre o espetacular e o econômico: várias câmeras – pelo menos três delas sobre Yorke – garantem uma edição instantânea e frenética nos telões. A fantástica iluminação, assinada por Andy Watson, que trabalha com a banda desde 1993, é ecologicamente correta, consumindo apenas 30% da energia de luzes convencionais. O resultado é exagerado – no bom sentido. As lâmpadas finas e compridas garantem luzes que parecem dançar com as músicas. Mas nenhum desses detalhes supera a essência do que foi o show: uma banda no seu auge do ponto de vista artístico – coisa rara de aparecer por aqui – e em completa sintonia com o público.

Dois momentos resumem bem a atmosfera de êxtase que envolveu a Chácara do Jockey. Em Exit Music, o silêncio entre as 30 mil pessoas era inacreditável – nada além da voz e do violão de Thom Yorke podiam ser ouvidos. Em Paranoid Android, a música já havia sido encerrada quando a multidão entoou novamente, sozinha, os versos “rain down, camon rain down”, obrigando a banda a retomar alguns acordes e acompanhar o público. Até mesmo quem já havia assistido ao mesmo show fora do país (meu caso e de outros jornalistas com quem conversei) não tem dúvida em dizer que o de São Paulo foi superior e único. Os descontos: a desnecessária e desentusiasmada reunião do Los Hermanos – que teve um inevitável cheiro de caça-níquel – e a péssima infraestrutura do festival. Nada que vá impedir este show de ser lembrado como o grande show de rock dos anos 2000 – o show de uma geração inteira.

*** Texto publicado no Segundo Caderno da Zero Hora.

O DIA QUE NÃO TERMINOU

 

Às dez e pouco do último domingo começaram os gritos e ruídos que anunciavam a entrada do Radiohead no palco da Chácara do Jóquei. A noite estava clara, a temperatura amena e a anunciada chuva não veio. Ao meu redor, todos estavam na ponta dos pés, de pescoços erguidos, como se assim ficassem mais próximos do palco. Os britânicos entraram em cena e começaram o show com 15 Step. Som perfeito, o público não se continha.

Por alguns instantes ouviu-se pouco a música que vinha do palco. Eu não sabia se me deixava levar pela canção ou se prestava atenção à apresentação - só depois de um tempo eu soube equilibrar as duas coisas. A primeira música indicou o que as 30 mil pessoas que lotavam o espaço poderiam esperar das próximas duas horas. Na sequência, vieram There there, do Hail to Thief e National Anthem, do Kid A, disco que deu início à fase mais experimental do grupo.

No palco, via-se um equilíbrio entre feeling e profissionalismo. Thom Yorke parece sentir profundamente cada palavra e acorde que toca. Johnny Greenwood cuida feito louco para que saia tudo bem com os apetrechos eletrônicos que acompanham a banda desde Kid A. Durante o show, os telões trouxeram imagens dos cinco músicos em enquadramentos inusitados.

Apesar de os trintões de Oxford não terem dito mais que uns poucos "obrigados" entre as músicas, a comunicação com o público não poderia ter sido melhor. O auge foi ao fim de Paranaiod Andriod, um dos hits da noite. A música terminou, mas a galera não parou de fazer o backing vocal. Com o violão em mãos, Yorke entrou no clima e, em coro com a platéia, continuou a primeira voz, estendendo o final da canção. Isso foi no primeiro bis. A banda ainda voltaria ao palco outras duas vezes.

Dramas contemporâneos

O set list da noite teve por base o último disco, In Rainbows, que foi disponibilizado para download pela própria banda. A apresentação deixou claro porquê o Radiohead é um dos nomes mais importantes do pop contemporâneo. Os ingleses estão antenados com o que se passa em seu tempo. Em todos os sentidos. Tanto no que diz respeito às tendências musicais quanto à compreensão dos dramas do século 21. As críticas acerca do show foram unânimes em dizer que a noite foi histórica.

As coisas, no entanto, ainda me são um pouco nebulosas, confusas. É como se o último domingo ainda não tivesse terminado. A distorção pesada antes do refrão de Creep, que encerrou o espetáculo, ainda paira na memória. Junto a ela, o monte de copos plásticos espalhados pelo local após a apresentação e o estacionamento surreal, que trazia à tona a realidade de São Paulo. O evento refletiu bem as contradições da vida contemporânea nas grandes cidades, regada a desigualdades, congestionamentos, gás carbônico e consciência ambiental. A noite não poderia ter sido mais Radiohead.

Resenha por: Diego Dacax

AGORA É OFICIAL

 

Agora é oficial. O século 21, musicalmente, começou e quem veio pra mostrar e comprovar foi uma banda inglesa, de Oxford, a melhor banda de rock do mundo, também conhecida como Radiohead
Um outro inglês, Eric Hobsbawn, já tinha nos informado que o século 20 foi meio preguiçoso e só resolveu começar já entrado na adolescência, em 1914, com a Primeira Guerra Mundial. Apesar de meio temporão, o século 20 também foi um apressado, e resolveu se terminar todo bem antes da hora marcada, lá por 1989, com o final do império soviético.


Já são vinte anos e a gente aqui, batendo o pezinho e perguntando a nós mesmos qual o sinal ou sinais de que o novo século 21 começou e quando. Eu, pelo menos, entendi a mensagem no último domingo, quando o messias apareceu na forma do Thom Yorke, um vocalista desse tamanhinho e muito atormentado, que cantou os novos tempos e nós, mais de trinta mil seguidores, fomos junto. Que momento, minha gente! Até esse insensível aqui se emocionou e isso não acontecia desde, quando mesmo?
Porque eu não vou a shows. Já que somos íntimos, meus milhares de leitores e eu, posso confessar vários dos meus muitos pecados, em especial os piores. Não gosto de brócolis, não gosto de teatro, ou ao menos de atores vivos na minha frente, e não vou a shows por motivos parecidos.
Adoro música, como todos os leitores e o senhor aqui ao lado. Mas não sinto um interesse especial por músicos, que falam uma língua que eu entendo quando escuto a musica que fazem, e várias linguas que eu não entendo se estamos no mesmo bar.


Não só por isso. Shows, concertos de rock em espaços grandes, fazem parte da minha visãozinha do inferno, que inclui encontros evangélicos, festivais de axé e festa do peão boiadeiro. Pagar muito dinheiro, achar uma forma de transporte que nos leve e traga, enfrentar o calor, ou a chuva, ou ambos e, muito pior, os banheiros químicos, para finalmente ver lá longe em um palco um grupo de músicos que eu escutaria melhor em casa, simplesmente não faz sentido pra esse neto inconformado da minha avó Jovita.
E tudo isso eu enfrentei nesse ultimo domingo.
Já comecei treinando no sábado, rompendo com a minha norma de não ir ao teatro ou a shows e indo ver uma algo que era ambos, o confuso espetáculo Homemusica do Michel Melamed. Devidamente aquecido, lá fui eu Francisco Morato abaixo, até a distante Chácara do Jockey, um lugar que reúne todos os ingredientes que listei acima e ainda um suave cheiro de estábulo, uma beleza.


E não foi apenas isso: para finalmente poder ver em ação a melhor banda de rock do mundo, eu precisei ver a pior, enfrentando a indigência musical da Los Hermanos. Uma banda carioca chamada Los Hermanos deveria se limitar a churrascarias, e essa resolveu ganhar o mundo. Azar nosso. O oposto de amor não é o ódio, mas a indiferença. O oposto de boa música não é música ruim, mas musica que não faz diferença.
Portanto, prezados leitores, tudo que eu odeio em shows de rock se fez presente nesse show e o sofrimento foi, sim, enorme. Eu me senti como um peregrino se dispondo a fazer o Caminho de Santiago, pagando pelos pecados e por não gostar de brócolis, esperando apenas que tudo isso me trouxesse, ao final, uma visão do Senhor e um tubo de Cataflan em spray.

A visão eu tive. A visão deslumbrante de um espetáculo de grande música, de um tipo incomum e que melhor se constrói ao vivo, em um grande espaço, diante de uma multidão a ser convertida, na melhor síntese do que possa ser um espetáculo de rock nesses tempos e do que ele pode proporcionar, quando se dispõe a isso.


A nossa época, no que ela tem de civilizado, oferece dois momentos para o encontro de grandes números de pessoas. Jogos de futebol e concertos de música. Os jogos substituem as batalhas e os concertos substituem as igrejas, acho, talvez essa seja a razão para a força de uma banda messiânica, como U2, ou pseudo-satânicas, como Rolling Stones e toda aquela cambada do metal. Nesses encontros, a música cede lugar para um sentimento místico e estar presente é mais importante do que ouvir, mais ou menos como uma missa, nos velhos tempos. Nesse sentido, iluminação, efeitos especiais, telões, todos compõe essa construção do ambiente de templo. Isso se fez particularmente presente no palco da Radiohead, mas deixou de ser um problema segundos após a abertura do concerto, quando tudo aquilo fez absoluto sentido, essa sendo a maior diferença entre decoração e arquitetura. O que a Radiohead fez foi construir o seu templo e oferecer o seu ritual, a todos, até mesmo aos fans do Los Hermanos, que devem estar sofrendo as sequelas psicológicas até agora.
E o ritual da Radiohead era centrado no ouvir! O que seduzia era a música e não a iluminação ou os fogos de artifício. Os telões mostravam não os músicos, mas a manufatura da música, ali, sendo construída diante dos nossos olhos e ouvidos e esse discurso fundamental mostra porque Radiohead é a banda que é, tão superior, musical e conceitualmente a tudo isso que está aí.


Desde a abertura, com 15 Steps, até o final, com a tradicional Creep, tudo que a banda fez foi apresentar o seu som único e manter uma multidão presa a ele. Não importava se a música era conhecida, se tinha feito sucesso nas rádios ou na web, não importava a complexidade e relativa atonalidade de algumas construções, contra tudo, contra o século 20 e suas promessas de facilidades das ultimas décadas, a Radiohead manteve todo mundo atento, comendo o que era oferecido em um banquete ritual dos mais raros, talvez o único que eu tenha presenciado, salvo um comício com o Lula dos velhos tempos.


talvez por isso eu tenha sentido o século 21 entrando por ali, por alguma fresta. Aquela música representa ao mesmo tempo a continuidade do rock - em sua capacidade única de traduzir essa época de transformações intensas, o seu presente constante e aceleração rumo a um futuro mais e mais imprevisível -, com a era pós-industrial, centrada na multiplicidade, onde o diverso e o fragmental são áreas escassamente separadas. A musica do Radiohead nega a fragmentação, afirma a complexidade e aponta o caminho da salvação, a capacidade que precisamos desenvolver de nos sustentarmos na multiplicidade, e não na unicidade, dos discursos. A música que a Radiohead nos apresentou é a alternativa mais elaborada, porque compreendida por todos, para o fundamentalismo, e nosso século implorava por algo assim, para finalmente poder começar.


Resenha por: Marcelo Carneiro da Cunha
site> terra magazine.

RADIOHEAD EM SÃO PAULO

 

Assim que ouvi Ok computer pela primeira vez, acredito que por volta de agosto de 1997, tomei um susto tão grande que decidi dividir a experiência com meu padrasto. Fã de Kraftwerk e de Pink Floyd (cresci ouvindo sinos em volume máximo), provavelmente ele entenderia aquilo tudo melhor que eu. Lembro até hoje a reação desejeitada daquele homem grisalho, já turrão e (às vezes terrivelmente) cético: depois de um longo período de silêncio, o Mr. Sisudez se deu por satisfeito lá pela quinta ou sexta faixa. “É impressionante”, ele observou, quase cientificamente. “Se eu tivesse a sua idade, ouviria sem cansar.”


Ficamos nisso. Acredito que, depois daquela impressão animadora, meu padrasto nunca voltou a um disco do Radiohead. Como se, incapaz de acompanhar o galope de uma geração por ele desconhecida, preferisse manter distância das estranhas (e talvez maravilhosas) novidades cultuadas por meninos de 14 anos de idade. Como se dissesse: “ok, Tiago, agora você sabe o que sinto quando ouço The dark side of the moon.”
Duvido que me padrasto tenha assistido aos trechos do show de sábado em São Paulo, exibido na tevê por assinatura. Não o interessa. Posso dizer sem margem de erro: foi retrato de uma geração. A minha geração.
Provavelmente ele teria gostado do que vi (que, para mim, não vale menos que 10/10). A sensibilidade musical do meu padrasto, apesar de excessivamente seletiva (cinco ou seis bandas são o suficiente para mapear toda uma existência), foi moldada por um rock inventivo e atmosférico, ambicioso e monumental. Anos antes de Ok computer, mostrei a ele Nevermind e tudo o que recebi em troco foi um “tsc, o ser humano é um projeto que não deu certo”.


O show do Radiohead é ambicioso e monumental como eram os álbuns de rock progressivo dos anos 70. Mas também é catártico, emotivo e atormentado como o pós-punk do final daquela década. Há como identificar essa mão-dupla de referências em cada um dos álbuns da banda. Em Ok computer. Em Kid A (ainda que rarefeita). Em In rainbows (ainda que coberta por um bafo quente de soul music). Mas, no palco, essa equação se faz visível, reluzente, pulsando diante dos nossos olhos (deslumbrados, talvez cansados, talvez incomodados ou frustrados, mas hipnotizados).
É nosso reflexo. A imagem de quem viveu os anos 90 e seguiu se transformando até chegar aqui, no final da primeira década do século 21. Radiohead é, de certa forma, nossa história (minha e dos outros que o adotaram como trilha sonora para a adolescência). E, de outra forma, a história muito precisa de um período de transformações fundamentais para a música pop. Intencionalmente ou não, os ingleses refletiram o furor grunge (no hit Creep), a desilusão do fim de século (em Ok computer) e a fragmentação do pop via web (Kid A foi o primeiro grande filho do Napster) até antecipar a morte da indústria fonográfica (em In rainbows, distribuído de graça, independente de verdade).


A discografia do Radiohead pode sim ser encarada como um tratado para um mundo em transe. Você ouve Ok computer, por exemplo, e entende a crise econômica. Sério. No palco, a banda tenta resumir essa ópera sem soar didática ou acomodada (a liberdade de criação é a bandeira que eles continuam levantando). Trata-se de um desafio e tanto. Dois dias antes, assisti a um show do Iron Maiden e tudo o que os velhos metaleiros conseguem (dignamente, para os padrões do metal; nada contra) é enfileirar canções conhecidas da forma mais plana possível, com um ou outro cenário engraçadinho - o que 90% das bandas praticam desde os anos 60. O show do Radiohead vai bastante além desse formato-padrão. É um espetáculo mais intrincado.


Assisti ao show com uma amiga que não conhecia nada além de In rainbows. No final da apresentação, virei-me para ela e disse: “Você acabou de ouvir tudo o que precisa saber sobre a banda. Isto é Radiohead.” Pouco depois, ouvi reclamações de fãs que queriam ter cantarolado hits de The bends. Mas faria algum sentido? A jornada do Radiohead não tem volta. Entendi muito bem que Creep, escondida lá no terceiro bis, era uma faixa bônus que, apesar de agradar aos fãs (e foi uma apoteose), destoa bastante da fase em que a banda se encontra.


A banda se jogou tão decididamente na própria aventura que muitos dos fãs ficaram pelo caminho. Natural. Conheço que deteste Kid A. Também sei dos que desprezam hits como High and dry. O show abraçou essas duas facetas, mas resgatadas a partir dos climas quase transcendentais de In rainbows (a iluminação é, por si só, obra-prima: engolida por tubos de luz, a banda toca literalmente dentro de um arco-íris). Uma banda na trilha do sublime.
Mais que isso: uma banda madura. Quem dera se toda maturidade soasse assim. O rigor técnico aliado à interpretação emotiva, a pompa de superprodução afinada à elegância do conceito (até as cores do telão, em meios-tons, impressionavam pelo detalhismo, pela finesse). Os sets que mudam a cada concerto, mas são sempre executados de forma impecável. Improvisos calculados, mas que soam vivos, doídos, frágeis. Thom Yorke é o Kurt Cobain que cresceu, entendeu os mecanismos da música pop e venceu o monstro sem desligar-se da angústia (e viver neste mundo continua difícil, com ou sem maturidade). Hoje, não há band leader que o supere.


O show de São Paulo oscilou do folk mais cru (a emocionante Faust arp, com dois violões e ponto final) à eletrônica mais cerebral (a geleira chamada Idioteque) - e cobriu uma série de etapas intermediárias entre um extremo e outro. As canções menos virulentas acabaram se destacando - com momentos arrasadores como Karma police, Fake plastic trees, Exit music (for a film) e Pyramid song -, interrompidas vez ou outra por espasmos de ruído (Bodysnatchers, The national anthem). Síntese do show e da carreira da banda, Paranoid android foi reconstituída com fidelidade absoluta - e agarrada pelo público, que fez coro, prolongou os versos, não quis soltar. Sete minutos que passaram como sete segundos.


No total, ficamos perplexos por cerca de 2h20. Pareceu pouco. Eu ficaria ali, de pé, apertado pela multidão, talvez de cabeça para baixo, por mais quatro horas (ouvir Lucky e Climbing up the walls assim, no susto, é de provocar parada respiratória). O golpe de misericórdia veio no final do segundo bis, com uma versão acelerada para Everything in its right place: as luzes vomitavam os versos da canção mais surrealista da banda, enquanto Thom Yorke ia desaparecendo lentamente.


Sabemos tudo o que precisamos saber sobre o Radiohead. O resto é mistério.

Resenha por: Tiago Superoito
site> superoito

“This is really happening”

 

Radiohead domina corações e mentes e incita nova era de shows no Brasil

anto no Rio quanto em São Paulo, foi em “Idioteque” que bateu. Por mais que já tivessem hipnotizado o público em “There There”, o cortejado de perto com “Karma Police” e “All I Need” e lhe arrebatado em “The National Anthem” e “Jigsaw Falling Into Place”, o Radiohead tornava-se real no terço final da primeira parte dos shows, quando, pela primeira vez em ambos shows, soltava nossos corações ou mentes, deixando-os finalmente livres para dançar. Os tubos acima do palco eram iluminados com pouca luz, com tonalidades entre o roxo e o azul escuro, o suficiente para dar o ar de pista de dança que a música de Kid A exigia. Os blips do início drenavam toda a ênfase de show de rock que vinha até ali – saía o piano, saía a dinâmica entre as guitarras, violão e teclados que dava a tônica da apresentação e a força do som era reduzida ao diálogo entre a ruídos eletrônicos disparados pelo guitarrista Jonny Greenwood e a bateria metronômica de Phil Selway. Ao lado do baterista, o baixista Colin Greenwood iniciava a seqüência de acordes gelados no teclado que identificavam a canção para as multidões, que saudaram o reconhecimento com o mesmo urro com que havia recebido os hits anteriores. Mas a ausência do miolo instrumental clássico da banda, reduzindo as canções a beats, ritmo e frios acordes de teclados (traçando aí o paralelo genético com o Kraftwerk que abriu os shows) enfatizou a presença solene de um público embasbacado. Ed O’Brien, ainda com seu instrumento em punho, preferiu grunhidos elétricos do que os solos e acordes clássicos que caracterizavam sua participação, enquanto Thom Yorke entregava seu vocal ao delírio robô dançado pela platéia.

“Isso está realmente acontecendo”, soltava-se Thom, baixinho, braços movendo-se para o lado entre saltos e olhos fechados, dança reprisada pelo público, balançando-se sem acreditar. Estava realmente acontecendo – o Radiohead estava finalmente fazendo um show no Brasil, doze anos depois de OK Computer, dois anos depois de In Rainbows, reprisando o disco mais importante da década na íntegra, enquanto repassava as principais faixas de um dos discos mais importantes da década anterior e costurava o resto do show com faixas tiradas dos três álbuns lançados entre estes e dois hits sacados de seus dois primeiros discos. Mas independentemente das músicas que foram escolhidas, eis um paradigma vencido. A vinda do Radiohead talvez tenha encerrada uma adolescência do Brasil em relação a shows, sejam internacionais ou brasileiros, iniciada com o primeiro Rock in Rio – mas depois eu falo mais disso.

O Radiohead é uma banda cujo carisma e apelo popular não está em gestos ou na comunicação com o público – e sim através das canções e na forma como estas foram dispostas nos shows. Sua apresentação não conta com um vocalista populista e sorridente, que veste a camisa da seleção brasileira e tenta balbuciar agrados em português. Seus dois heróis da guitarra são pouco usuais – embora Ed O’Brien esteja mais próximo do que se espera de um guitarrista clássico, ele sabe que seu papel é coadjuvante (é o principal cavaleiro de Sir Yorke, seu Lancelot) e secundário, enquanto o verdadeiro guitar hero da banda, Jonny, seja um magrelo tão chegado aos beats eletrônicos e efeitos de dub do que aos solos de guitarra. A cozinha formada por Colin e Phil é avessa aos holofotes e prefere olhar-se nos olhos em vez de encarar o resto da banda. Thom Yorke, por sua vez, seduz o público apenas com sua voz.

E que voz. Mais do que o palco aceso e colorido, a voz de Thom Yorke é o principal elemento no show da banda. Não é ela quem determina o tom das canções – este quase sempre é definido pelo conjunto musical, quase sempre em discussões entre os instrumentos de Colin, Phil e Jonny – mas é o vocal quem o dissemina sobre o público. O timbre de Yorke, como os diferentes acordos instrumentais propostos pela banda, não pertence a um único território. Ele pode balbuciar como um bêbado e soar como um anjo na mesma canção (“Exit Music (for a Film)”, por exemplo), deixar sua voz atingir picos melódicos virtuosos (“Reckoner” ou o final de “All I Need”), soltar grunhidos ininteligíveis (no meio de músicas mais pesadas, como “National Anthem” ou “Bodysnatchers”) ou escárnios cínicos – em especial em “You and Whose Army?”, talvez seu momento de interação mais direta com o público, através de uma webcam posicionada em frente ao piano, deixando-o à vontade para brincar com a imagem de seus olhos tortos. Quase sem falar com o público no show do Rio, só falou com os paulistas alguns “obrigado” ditos quase sem sotaque. A única exceção veio antes de “You and…”, quando anunciou a música “para os ianques” nos dois shows e antes de entrar na segunda vez em que “Creep” foi tocada no Brasil, em São Paulo, quando perguntou se o público sabia qual era a próxima. No Rio, o diálogo ficou por conta de Ed, em português mesmo, que apresentou a banda em “Airbag” (“nós somos Radiohead”) e mandou um “bom pra caralho!” que resumiu o espírito do show depois de “Reckoner”, fechando o segundo bis na Apoteose.

Guitar hero compenetrado, Ed é instrumentista de rock clássico, herdeiro de uma genealogia de seu instrumento que inclui Eric Clapton, Jeff Beck e David Gilmour, que sabe a hora em que deve ficar no centro da canção e quando é hora de deixar outro músico brilhar. Já Jonny é o típico guitarrista pós-punk, porém destemido frente à grandiosidade – ecoa tanto a guitarra de The Edge quanto à do Public Image Ltd, do Pere Ubu e dos Talking Heads. Sabe que a eletricidade pode comunicar com ou sem a guitarra, por isso dedica-se tanto às seis cordas quanto à manipulação de ruídos em sintetizadores analógicos e pedais de efeito, jogando transmissões de rádios brasileiras para dentro de “National Anthem” e, em São Paulo, tratando-as como dub em “Climbing Up the Walls”. Completos à perfeição, ambos guitarristas ladeavam Thom Yorke como se respondessem pelas duas personalidades do cantor – às vezes mais o doutor Jeckyll (Ed), outras senhor Hyde (Jonny) – ao mesmo tempo em que agem de forma semelhante. Basta ver como se comportam em momentos distintos, longe de seus instrumentos – quando assumem a percussão em “There There” ou quando dedicam-se apenas a manipular efeitos sintéticos e a gravação com a voz de Thom em “Everything In Its Right Place”.

Eis a estrutura básica da banda – Colin e Phil agem como um mesmo instrumento, uma cozinha clássica de banda de rock inglês que evoca tanto o Led Zeppelin quanto os Smiths ou o Clash. A dupla de guitarristas conversa com o piano, a guitarra ou o violão de Thom Yorke em progressões de acordes remanescentes de clássicos ingleses dos anos 70 como Abbey Road, Dark Side of the Moon, Arthur, Phisical Grafitti, A Night at the Opera e The Lamb Lies Down on Broadway. As canções ganham aspecto épico e tratamento rebuscado que fazem muitos menosprezarem a banda como intelectualizada demais – como foram menosprezados seus antecessores. Mas o Radiohead é uma banda que, por mais que componha álbuns conceituais e acene para a música eletrônica de vanguarda, sobrevive em suas canções, na forma como eles cristalizam determinadas emoções em seqüências de acordes, refrões memoráveis, letras que traduzem sentimentos contemporâneos e a reinvenção da dinâmica instrumental do rock entre os anos 60 e 70.

E ao vivo estas faixas mostram sua força – principalmente as de seus três grandes discos, OK Computer, Kid A e In Rainbows. O repertório dos dois shows foi muito parecido e seguiu a média da turnê do ano passado. Tocaram tanto o In Rainbows na íntegra quanto as mesmas faixas de Kid A (“Idioteque”, “National Anthem”, “Everything In Its Right Place”) e do Hail to the Thief (“There There” e “The Gloaming”), além de uma única música em comum do Amnesiac (“You and Whose Army?”). Do OK Computer, só “Paranoid Android” e “Karma Police” foi tocada nos dois shows – “Airbag” e “No Surprises” só foram ouvidas no Rio, “Exit Music”, “Lucky” e “Climbing Up the Walls” apenas em São Paulo. As duas apresentações ainda contaram com faixas do segundo disco da banda (“Just” e “Street Spirit” no Rio e “Fake Plastic Trees” em São Paulo) e com o encerramento por conta de “Creep”, encerrando por vez a discussão a respeito da canção mais popular do Radiohead no Brasil. Outras sutis diferenças puderam ser sentidas – enquanto “How to Disappear Completely” só tocou no Rio, “Pyramid Song” e “Talk Show Host” só foram ouvidas em São Paulo. Mas se você acompanha o Radiohead como um todo e não é fixado em apenas um álbum, assistir a apenas um show já deu um belo panorama da carreira do grupo. Várias faixas ficaram de fora (“Wolf at the Door”, “Knives Out”, “Let Down”, “2 + 2 = 5”, “Planet Telex”, “Morning Bell”, “High and Dry”, “Electioneering”), mas quem assistiu a apenas um dos dois shows teve um belo panorama da força da banda ao vivo e de como ela coloca suas canções em primeiro plano. O público respondeu à altura: no Rio, a massa continuou “Karma Police” sozinha, cantando “for a minute then/ I lost myself/ I lost myself” mesmo depois que a banda deixou de tocar, enquanto em São Paulo o público continuou “Paranoid Android” sem a banda com seus “rain down” sendo seguidos por Thom Yorke – que quase ameaçou tocar “True Love Awaits”, mas foi levado pela força das próprias canções.

Até o cenário favorecia às músicas. Ao contrário de outros medalhões que enchem suas apresentações com efeitos especiais, fantasias, dançarinos, criaturas infláveis ou estruturas gigantescas, o Radiohead preenche o próprio palco com um efeito simples e genial. A série de tubos dispostos na vertical sobre a banda funciona como um telão projetado sobre um candelabro, uma luz refletida em código de barras, que amplificava a iluminação como as caixas aumentavam a potência sonora da banda. A cada faixa, tons fortes tomavam conta da ribalta, vinculando cores (In Rainbows, afinal de contas) a andamentos musicais – laranja, vermelho e roxo brigam nos momentos mais intensos, o azul cai sobre as baladas mais sentimentais, o amarelo anuncia climas áridos e o verde vinha nas músicas mais rápidas.
Alternando as cores com claros e escuros e as próprias imagens em telões colocados atrás e nas laterais do palco (equipamento que falhou durante as cinco primeiras músicas do show de São Paulo), a iluminação da turnê In Rainbows servia apenas para destacar as qualidades musicais da banda, usando estrobos e luzes negras para enfatizar mudanças de andamento, solos instrumentais e efeitos eletrônicos. Triste para quem não foi ao show: as gravações em vídeo quase nunca fazem jus aos tons de cores usados ao vivo.

No centro de tudo, dominando milhares de corações e mentes em pouco mais de duas horas, o Radiohead é dessas bandas que funcionam melhor quando falam às multidões. Descendentes diretos do U2 dos anos 80, eles ecoam simultaneamente a fase mais católica do grupo irlandês quanto seu período europeu do início dos anos 90 – soando quase sempre dúbio e ambíguo, entre o desespero e o conforto, o doce e o amargo, e assim conectando-se com outra importante banda em sua formação, os Smiths. O quinteto consegue fazer os dois grupos soarem próximos em canções que também remetem às carreiras solo dos Beatles, ao momento em que o Who começou a soar opulento e ao Genesis antes da saída de Peter Gabriel. O som da banda então é revestido por duas camadas diferentes de contemporaneidade ao fim do século 20 – a redescoberta do refrão proporcionada pela conjunção grunge/britpop no início dos anos 90 e à lenta diluição das diferentes facetas da música eletrônica (desde a mais séria ao seu lado mais fútil) com a música pop. Difícil imaginar que o cenário pop atual florescesse e abrisse espaço para bandas como LCD Soundsystem, TV on the Radio, Killers, The National, Bloc Party, Sigur Rós, Interpol, Modest Mouse, Árcade Fire e Franz Ferdinand não fosse a importância e o pioneirismo do Radiohead nos anos 90.

E a vinda da banda ao Brasil no início de 2009 fechou não apenas o ciclo aberto com o certa vez mítico anúncio dos shows da banda no país como talvez uma adolescência longa demais no que diz respeito a apresentações internacionais por aqui. Desde que foi cogitado pela primeira vez, logo após o lançamento de Kid A, em outubro do ano 2000, o show do Radiohead no Brasil era algo que deixava de ser um mero boato e ganhava contornos de lenda. Nesse meio tempo, vieram para o Brasil artistas que pareciam ainda mais inatingíveis que o grupo liderado por Thom Yorke, além de quase todas as bandas e novidades internacionais que apareceram neste início de século.
Se existe uma coisa de que não podemos reclamar hoje em dia, é de shows internacionais no Brasil. Quando éramos a periferia da periferia do mundo – quando “Brasil” era quase sinônimo de “Acapulco” ou “Bahamas” –, grandes nomes do showbusiness mundial só pisavam aqui de férias. Entre as visitas de Brigitte Bardot a Búzios e dos Rolling Stones ao interior de São Paulo nos anos 60, o Brasil recebeu visitas esporádicas de grandes artistas que quase nunca vinham fazer shows, apenas espairecer ao sol tropical de nossas bucólicas e desertas praias do passado. Quando vinham fazer shows, artistas como Kiss, Alice Cooper, Police e Queen causaram comoção no inconsciente coletivo na década de 70 e início dos anos 80 – pode parecer estranho, mas houve um tempo em que toda a cultura relacionada ao rock era vista como algo alienígena no Brasil. Daí a importância da geração dos anos 80 – consagrada nacionalmente em um evento (o primeiro Rock in Rio) que trazia, numa só vinda, mais artistas estrangeiros para o país em uma semana do que todos os grandes shows internacionais desde o início daquela década (Sinatra no Maracanã incluso). O festival inaugurou a era que parece encerrar agora, em que grandes artistas são capazes de arrastar multidões para estádios e reviver épocas passadas em palcos do terceiro mundo.

Se hoje rimos da décima oitava vez que o Deep Purple se apresenta em uma cidade do interior de Minas ou quando pela enésima turnê em que três ou quatro bandas australianas passeiam pelo litoral do sul brasileiro, um dia estes mesmos eventos já foram recebidos como acontecimentos históricos. De 1985 para cá, assistimos a shows de todos os principais artistas da história da música moderna –os titãs do pop, os fundadores do jazz, a nata do rock alternativo, os maiores nomes da música eletrônica, os pais do rock’n’roll, os criadores da black music, grandes bandas de heavy metal, hardcore, reggae e disco music. Esta história da música moderna foi revista enquanto vários artistas novatos puderam visitar o Brasil em seus primeiros passos e quando o circuito de shows internacional passou a ser pulverizado. Tudo bem, são menos que dez empresas que ainda trazem os grandes espetáculos internacionais para cá (juntando aos nossos shows favoritos apresentações de espetáculos da Broadway ou do Cirque de Soleil). Mas hoje já há uma segunda divisão considerável de empresários e agentes de shows que buscam shows que não necessariamente pertençam ao ambiente de negócios que se tornaram as vindas de artistas estrangeiros para cá. Assim, ano passado pudemos assistir tanto aos shows de Bob Dylan, Justice, Madonna e Kanye West quanto aos de Will Oldham, Vaselines, Young Gods, Black Lips e Yelle, que passaram pelo Brasil em apresentações bem menores – e em cidades que não são apenas o Rio de Janeiro e São Paulo.
Resta saber o que vai acontecer a partir de agora. Afinal, são 25 anos que nos colocaram no circuito de shows do mundo, que viram nossas estruturas para este tipo de evento crescer (embora ainda estejamos bem distantes do ideal) e artistas brasileiros entrarem neste mesmo mercado de shows – seja o Sepultura, o DJ Marlboro ou o Cansei de Ser Sexy. A vinda do Radiohead ao Brasil parece encerrar uma era de ineditismo de grandes shows por aqui e vem junto com o fim do Tim Festival, que viu em sua edição passada a última oportunidade de se cobrar separadamente ingressos para artistas que vêm num mesmo evento (paradigma redefinido pelo festival Planeta Terra e seguido à risca pelo Just a Fest). O próprio nome “Just a Fest” entrega a vala comum que este tipo de evento acabou se tornando: traga um grande artista, empurre mais outros dois, um brasileiro e eis um festival.

É hora de repensar esse formato. Ao mesmo tempo em que os grandes nomes da indústria do disco vão se reduzindo a um mero punhado de veteranos, o conceito de festival parece fadado a entupir palcos com dezenas de bandas que contam com duas ou três músicas legais e que são mal vistas por multidões desinteressadas. Talvez fosse hora de investir em um novo padrão, em novas experiências de contato com o público. Por que não há um festival grande destes só com artistas nacionais? Cadê o South by Southwest ou o CMJ brasileiro? Por que a Virada Cultural de São Paulo não pode se tornar tão importante quanto o festival de Roskilde, na Dinamarca? Onde estão nossos shows ao ar livre, as discotecagens que acontecem de dia, apresentações na rua, em teatros, em escolas?

ALEXANDRE MATIAS

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Radiohead: Como desaparecer completamente

 

Aquele ali não sou eu. Eu vou aonde quero. Eu atravesso paredes. Eu flutuo pelo Canal do Mangue. Eu não estou aqui. Isso não está acontecendo. Eu não estou aqui. Antes de o Radiohead tocar “How to disappear completely”, diante dos meus olhos, nesta Praça da Apoteose, nesta sexta-feira 20 de março de 2009, os versos se materializam na cabeça. Eu não estou aqui.

Estou em outro lugar. Aonde só a grande música pode me levar.Entre efeitos de luz e alto-falantes no estado da arte, Thom Yorke, Ed O’Brien, Phil Selway, Jonny e Colin Greenwood atacam “The national anthem”. Atacam é verbo escolhido a dedo. As guitarras são sirenes que alertam para o bombardeio tocado pelo baixo e pela bateria. Não há abrigo possível. É uma das minhas favoritas. Parece “Whole lotta love”, do Led Zeppelin. Parece “Bullet the blue sky”, do U2. Só que melhor.

Nada havia me preparado para isso. Em “Kid A”, o álbum, “The national anthem” era mais intrincada, quase free jazz graças aos instrumentos de sopro. No palco, a energia do quinteto compensa a ausência dos metais. Nada havia me preparado para isso. Cheguei com um pé inteiro mais um calcanhar atrás, com medo de me decepcionar. Já aconteceu-me antes, por exemplo, aqui mesmo, na Apoteose, com um David Bowie de radinho de pilha.

Li que o show do Radiohead era “profissional”, no mau sentido, talvez até “frio”. Desde a primeira música, “15 step”, nota-se que é profissional, sim, no bom sentido. No nível do som, na definição do telão, nas estalactites de luz. Mas frio... “There there” logo prova que não. Percussão quase pura, O’Brien e Jonny batendo tambor com Selway. Claro, sempre haverá quem ache “chato”. Mas para quem tem dificuldade de se relacionar com a tristeza da vida sempre haverá as baianas pernudas e suas canções cheias de onomatopeias.Antes do Radiohead, a temperatura estava estranha para março. O Kraftwerk fez uma versão condensada do show de 2004 no TIM Festival, gélida, coisa de se esperar dos alemães.Antes ainda, Los Hermanos estavam meio fora de forma, mornos, coisa de se esperar de quem está parado há dois anos. Não o Radiohead.Descubro que ele consegue ser cabeça e quente, simultaneamente. Nada havia me preparado para isso, acho que já disse.

O Radiohead plana por “No surprises”, “Videotape”, “Paranoid android”... E comprova, aqui e agora, por que é a mais importante banda de música popular em atividade neste planeta.O termo “rock” só se aplica ao Radiohead como conceito vampiresco, expansionista, não como delimitação musical. Em transe estético, dou 10, nota 10, em todos os quesitos: aparato técnico, garra, repertório, dinâmica, inventividade. No palco como nos discos, as suas músicas nunca terminam do jeito que começam: elas se reinventam.

Na vã tentativa de me preparar para isso, eu tinha ouvido atentamente os dois únicos registros oficiais do Radiohead ao vivo. Primeiro, “I might be wrong: live recordings”, lançado em 2001. Um de seus pecados era ser curto demais, 40 minutos, oito músicas. Todas tiradas de “Kid A” e “Amnesiac”, álbuns siameses separados no estúdio, experimentais, geniais. Todas menos “True love waits”, linda. “O verdadeiro amor espera em sótãos assombrados”? Brrrrr. O outro pecado foi costurar retalhos de quatro shows, Oxford, Berlim, Oslo, Vaison La Romaine. Ficou sem a dinâmica da apresentação ao vivo.O segundo disco oficial do Radiohead ao vivo só veio à luz no ano passado, apenas na Holanda, pelo selo Immortal, mas foi registrado na mesma excursão em que “I might be wrong”. É um duplo chamado “Radiohead rocks Germany 2001”. A banda sacode a Alemanha na noite de 1ode junho, num festival em Nurburg. Traz 22 músicas e, embora às vezes a voz e o violão estejam um tanto à frente dos demais, soa de fato como um show, completo e íntegro. Abre com “The national anthem” e fecha, 108 minutos depois, com “How to disappear completely”. Chega mais perto deste êxtase no Catumbi.

Ainda assim, nada havia me preparado para isso. Até “Radiohead rocks Germany 2001” aparecer também em DVD, o Radiohead não tinha audiovisual oficial decente, a não ser por... Um show muito das antigas. “Live at the Astoria”, de 1994. Uma coletânea de velhos clipes. “7 television commercials”, de 1998. E um documentário enigmático, sem músicas completas ou entrevistas. “Meeting people is easy”, de 1999. Coerente com esse telão mesmerizador na Apoteose, que esconde mais do que revela os músicos em ação.

Seja como for, o DVD de um show sempre será uma fraude consentida. Um disco de áudio ao vivo é mais fiel a um show do que a sua filmagem. Permite-me viajar, imaginar o palco, recriar, participar. O DVD pode ter som Dolby 5.1, imagem HD, extras, o cacete, mas não me dá esse pancadão no meio dos peitos, não replica a magia da presença física dos caras ali adiante. Após tantos anos, tantas leituras e releituras na faculdade, agora que o Radiohead fecha o show com “Creep”, acho que afinal entendi o Walter Benjamin.Certas coisas não se reproduzem. Daí essa sensação de eu não estar aqui, de isso não estar acontecendo, de eu ter desaparecido completamente no meio de uma multidão de 20 mil devotos, de o momento já ter passado, bom demais para ser verdade. Então, aquele ali que não sou eu chora e tem aquela convulsão peculiar da cintura para cima, acompanhada de tremedeira no pé direito, um treco que ele chama de dança.

27/07/2009

O Globo/Segundo Caderno