Radiohead Clássicos Escondidos– “Where I End And You Begin”
Where I End And You Begin
Álbum: Hail To The Thief (2003)
A sensação de flutuação e queda pode ser entre outras coisas, fascinante e desoladora, a gravidade vence o esforço contínuo de equilibrio e nos rendemos ao processo de queda. Para apoiar essa metafísica sonora, Jonny Greenwood cria uma extensa e fantasmagórica parede de Ondes Martenot, mas não nos iludamos, Phil Selway perfura essa parede com uma intensidade ponteaguda, doses cavalares de gravidade e tensão de um ácido rasgando os mais íntimos delírios de um poeta chamado Thom Yorke.
Cabe aqui dois parelelos com dois clássicos do cinema: O primeiro Fellini 8 ½ – a cena que Marcello Mastroianni sai vagando pela cidade e despenca no mar é sem dúvida uma das mais delirantes cenas dos anos 60 e uma das mais marcantes de Fellini, a sensação de termos asas percorrendo os arranha-céus da cidade é um dos pontos chaves de Where I End And You Begin. O outro paralelo encontra-se com o genial Wim Wenders e seu “Asas do Desejo” onde anjos observam as ações humanas com uma paixão quase carnal e poética. Esse paralelo cabe nas entrelinhas da poesia de Yorke, Mas não aqui de forma apaixonada, Hail To The Thief é um disco onde forças maiores buscam afuscar as mais profundas razões humanas, Thom Yorke veste-se de uma pessoa que procura passar por tudo com uma passividade adquirida em meio ao processo tempo, do cotidiano, do controle social, Thom sofre como alguém que nada pode fazer, não sente que faz parte de um todo, não se vê capaz de mudar o estado de coisas.
Se fugir parace ser a tônica em muitas faixas do trabalho de 2003, Where I End And You Begin, confirma que não existe solução contínua, podemos até nos imaginarmos em outros mundos, nas nuvens, sendo um anjo que ascendeu para se libertar das dores do mundo, mas, seremos apenas como uma casa (nosso corpo e alma) caindo no mar (se espatifando) nas visceras das constatações do que todos chamam de realidade.
Where I End And You Begin, sexta faixa dessa obra prima pós-11 de Setembro e quinto disco da banda, coloca o Radiohead em estado de graça entre o rock psicodélico do terceiro disco e a síntese anarco-eletrônica de Kid A/Amnesiac. Em vários momentos, esse petardo supera-se, como na guitarra de Thom rasgando o vácuo, como o baixo de Colin, um verdadeiro oceano hipnótico pronto a nos engolir, a bateria magistral do mestre Phil e as razões supersónicas de Jonny e Ed.
Basta vê e/ou ouvir as performances ao vivo para termos a certeza: Where I End And You Begin é uma das maiores criações do Radiohead, uma canção gigante, flutuante, poderosa, que pesa em nossos ouvidos, mas que encontra-se ali, escondida, entre tantas grandes canções do quinteto, um verdade Clássico Escondido.