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Review In Rainbows cinco anos - Radiohead, agora a cores e mais belos que nunca

Por: José Miguel Lopes

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Não foi assim há tanto tempo que In Rainbows, sétimo álbum dos britânicos Radiohead, chegou a nós. Apesar disso, já ninguém lhe poderá negar o papel na História da indústria musical, pela forma como o disco foi lançado. Mas ficará também na outra História por nos mostrar que há bandas que, mesmo com uma certa idade, sabem sempre que rumo seguir.

A premissa que deixou tanta gente de boca aberta? Se bem se lembram, cada consumidor poderia pagar pela versão digital do álbum (até ao começo de 2008, a única disponível em muitos territórios) a quantia que quisesse. Zero euros era opção válida. Uma estratégia arrojada que serviu de catalisador para discutir um assunto que já há muito merecia atenção. E não é invulgar associar-se o disco In Rainbows a esse ato de sagacidade comercial. Mas importa, claro, que a atenção por detrás da forma como este foi comercializado não ofusque o seu conteúdo. Noutras palavras: In Rainbows é clássico – não por ter sido uma das mais eloquentes vozes a anunciar a morte da antiga forma de se fazer negócio na música – mas pelas dez canções nele contidas.

Esta é a altura em que os apreciadores mais fervorosos de OK Computer se levantarão, afirmando que o sétimo disco dificilmente terá sido tão marcante como o álbum que veio ao mundo em 1997 e que influenciou, para todo o sempre, uma geração de bandas a começar nos Muse e Coldplay e a acabar nos Arcade Fire. Os principais apologistas de Kid A, por seu lado, insistirão que apesar do impacto aquando do surgimento de In Rainbows, esse disco não pode competir com o choque térmico que foi a chegada, em 2000, de um álbum ainda mais frio, alienante e experimental do que a já então consagrada obra-prima. Entretanto, os que advogam acima de tudo The Bends – do já longínquo ano de 1995 – dirão que a banda nunca foi tão firme, direta e emotiva como naqueles tempos.

Se todavia os procurarmos, não faltam argumentos que atribuam também a In Rainbowso estatuto de disco obrigatório. Se é facto que não possui a coesão conceptual de outros trabalhos, verdade é que nada entre as suas dez faixas soa fora do lugar ou excessivo. Depois, pesa o facto de todas as suas canções terem sido pintadas com belas melodias – algumas mais bonitas inclusive das que, até aqui, se puderam ouvir num álbum deRadiohead.

Mas os argumentos não ficam por aqui: ao contrário dos discos mais experimentais, – que nos tinham deixado, em certos momentos, com a ideia de que o grupo não seria já muito mais do que uma mera extensão de Thom Yorke – em In Rainbows sentimos osRadiohead a serem, realmente, uma banda no estrito sentido da palavra.

E que outra coisa se poderia dizer de um álbum onde cada um dos membros individuais assume papéis em tudo capazes de ombrear com os seus outros pontos altos? A prestação do vocalista Thom Yorke, por exemplo, impressiona pela beleza com que o seu falsete (talvez até melhor do que antes) nos chega aos ouvidos. "Reckoner", "Faust Arp" ou "Nude" figuram entre os melhores momentos na carreira do vocalista. Jonny Greenwood, quando não nos arrepia com os seus teclados, cativa-nos pela elegância com que a sua guitarra liberta arpejos.

Essas notas, não raras vezes, acabam intercaladas com as de Ed O’Brien que – por seu lado – se mostra o verdadeiro senhor das ambiências quando não está, também ele, a trabalhar nas grandes melodias do disco. Já Colin Greenwood, o baixista, atribui sensualidade, carisma e profundidade às canções com uma regularidade que já não se sentia desde 1997, enquanto o baterista Phil Selway permanece o mesmo de sempre: desconcertante em "15 Step", competentemente emotivo nas "Weird Fishes/Arpeggi" e "All I Need", quando não se demonstra suave que nem um cisne, como em "Nude".

Depois temos, claro, as canções. Tal como no anterior Hail to the Thief, não há um estilo nem estado de espírito singular que sobrevoe todo o álbum. Mas, ao contrário daquele disco lançado em 2003, em In Rainbows a diversidade resulta mais benéfica e apaixonante do que desequilibrada. Assim, entre a explosão pop de "15 Step" (batidas saltitantes, guitarras meigas, ritmos traiçoeiros e uma aparente leveza no som que nos deixa, a princípio, desnorteados) e a distorção abafada de "Bodysnatchers" (onde os riffs de guitarra chovem pelos ouvidos a ponto de ser recomendável baixar-se um pouco o volume) vai uma oscilação de géneros digna de uma salada russa. Contudo, ela resulta. E assim será por todo o disco.

A joia da coroa será, deste modo, assunto suscetível para acesos debates. Mas, entre tudo o que por aqui se ouve, será difícil permanecer-se incólume perante a melancólica teia de arpejos que é "Weird Fishes/Arpeggi", uma canção onde o quantitativo de belo será tudo menos excessivo. Ou talvez o cume se fique pelo erotismo subtil de "Nude" que, poupada nos arranjos, nos demonstra uns Radiohead mais vivos, quentes e humanos do que estávamos habituados a ouvir.

Pareceria, contudo, crime não se mencionar a sinceridade emotiva de "All I Need" – talvez uma das canções mais diretas do grupo em muito tempo – onde a distorção do baixo e as ambiências obscuras vão dando lugar a um clímax como há muito não se ouvia num disco de Radiohead. E, já que falamos nisso, também não se poderia ignorar a beleza acutilante de "Reckoner" – epicentro de In Rainbows – que seduz seja pelo mistério da letra, a formosura das guitarras, o gemido de Yorke ou pela sumptuosidade das orquestrações.

Um pouco abaixo da fasquia ficará, entretanto, o momento acústico de "Faust Arp" que – não obstante a sua aparente complexidade e a beleza com que as guitarras acústicas, os instrumentos de cordas e a voz de Yorke se misturam – não deixa de soar como uma mera ponte ou interlúdio entre as mais emocionais "All I Need" e "Reckoner". A outra canção que ficará um pouco aquém é a despedida com "Videotape" que, apesar da melancolia em nós invocada ou da hipnótica passagem de piano, não consegue ombrear em dramaticidade ou encanto com outras canções de ADN semelhante, desde "Pyramid Song" a "Sail to the Moon". Mas claro que, mesmo abaixo desses outros momentos, ambas as canções merecerão o seu mérito. De resto, tanto a pendular "House of Cards" como a mais orelhuda "Jigsaw Falling into Place" não ficarão por cá esquecidas.

Posto isto, não será por acaso que se repetiu tantas vezes, ao longo deste texto, a palavra 'belo' ou seus derivados. É que, se OK Computer ficou para a História pelo modo épico com que descreveu e musicou estes tempos tão modernos e se Kid A foi clássico pelo aventureirismo e pela frieza da abordagem eletrónica que a banda assumiu, resta dizer que também In Rainbows tem tudo para singrar no imaginário coletivo, quanto mais não seja pela beleza das canções nele contidas.

MATÉRIA ORIGINAL>> Comum

Happy Birthday "In Rainbows”

Para muitos, uma das grandes obras primas do Radiohead, para alguns, um disco revolucionário graças a forma que for distribuído; o classudo “"pague o que quiser", para outros, um dos melhores discos dos anos 00. Sem dúvida um dos trabalhos mais discutidos da nossa geração. Esse é “In Rainbows” sétimo de estúdio da banda,  que estava sendo lançado há exatos cinco anos, no dia 10 de Outubro de 2007.

O anúncio pegou o universo da música de surpresa e a banda ganhou admiradores e curiosos em profusão. Para nós brasileiros foi ainda melhor, já que a Tour In Rainbows chegou ao Brasil, em duas históricas apresentações em Rio de Janeiro e São Paulo. O impacto do “"pague o que quiser" ainda pode ser sentido até hoje e virou referência e musicalmente In Rainbows contem algumas das mais originais canções de rock da nossa geração. Um clássico instantâneo.

[Review] In Rainbows



por Ruth Queiroz


How come I end up where I started?

O verso/pergunta que abre o disco talvez defina a temática Radioheadiana do novo álbum, em outro momento se diria “Down is the New up”, todo fim é o começo. Sétimo e mais polêmico da banda, lançado em 10 de Outubro de 2007 em uma versão digital para download com a grande questão “o quanto você acha que vale”, em 3 de Dezembro do mesmo ano em uma caixa contendo dois CDs e dois discos de vinil .

Assim, com 15 Step, um som inusitado com pegada afrobeat (graças talvez, ao um ano que Jonny Greenwood ouviu apenas esse ritmo, segundo a Rolling Stone), com batidas lembrando um ritmo quase tribal, passando para um fantástica linha jazzie de baixo. Em letra original ele traria “friends forever, fifteen steps then a sheer drop” “amigos para sempre, quinze degraus então, numa gota transparente” o que facilmente nos remeteria a uma interpretação que nos levasse aos 15 anos da carreira, a um momento onde tudo fica claro, isso sabendo das tensões que a banda passou para que o álbum saísse! Mesmo a letra lançada “Fads of whatever” nos leva ao mesmo ponto. Letras e músicas irônicas, nenhuma linearidade em ambas, trazendo a canção mais dançante e instigadora ao movimento do álbum.

Bodysnatchers com riffs alucinantes de guitarras de Ed O’Brien, Jonny Greenwood e Thom Yorke, nuances que trazem na letra o “coma”, a tensão da reflexão de que nada pode ser mudado “I am trapped in this body and can’t get out”, a aceitação do “é assim que sou por mais que lute contra” a incerteza século 21, o continuar simplesmente e ver no que vai dar, o que por fim, vai ser a temática de todo álbum “a não certeza de nada, dúvida sempre, mais de um caminho possível”, e a grande verdade artística “I”m a Lie”assim, reafirmando as “contradições” que aparecerão por todo o álbum.

A belíssima e inebriante Nude traz um ambiente de musicais e grandes interpretações vocais com um Thom Yorke quase “piaffiano”, falsetes magníficos, contrastando com uma letra insinuante e sensualmente instigante, irônica e quase satiricamente aconselhando que as “grandes idéias nem sempre acontecem”. Os acordes refeitos por Colin Greenwood, mudando um pouco a versão anterior de “Big Ideas”
Reavivada com acordes simples de guitarra, bateria minimal, baixo dando um climão de fundo musical para enlace romântico.

Weird Fishes/Arpeggi, segundo a própria definição” O arpejo é uma forma de executar os tons de uma corda: em vez de tocá-los simultaneamente, são ouvidas em rápida sucessão, geralmente a mais grave aguda.” assim, Arpeggi é o som mais complexo do IR, as cordas arpejantes com bateria intensa e ritmada de Phil Selway. O baixo reproduzindo a tensão Junguiana da letra, essa, teria sido segundo Thom Yorke, um sonho que teve, de ser engolido por peixes estranhos. A parte dessa idéia, a letra traz a dúvida existencial “ o porquê e o para quê” ir ou ficar “Why should I stay here” seguir ou esperar “I’d be crazy not to follow, follow where you lead”, questão lindamente resolvida do entendimento que é necessário chegar ao fundo para conseguir emergir e sair “I’ll hit the botton and escape”. Talvez em sua complexidade, letra e música, seja a mais bela canção do disco, ao menos, a mais densa.

All I Need é a linda e hipnotizante canção que prima em suas linhas de contrabaixo pelo intenso, contrastando com o xilofone tilitante de Jonny Greenwood, dando uma sonoridade espacial , vocal grave demonstrando a densidade da letra desalentada, ao mesmo tempo que pode demonstrar a certeza de saber que o outro é “All I Need” , em momentos mostrando uma insignificância de ser “I'm an animal trapped in your hot car, I am all the days that you choose to ignore” ou “... just an insect trying to get out of the night”, o que culminará na dúvida em questão do álbum “S'all wrong...S'alright”.

Faust Arp, dois violões ilustrando de forma simples a bela canção que paradoxalmente ao conto lendário de Fausto “homem das ciências que, desiludido com o conhecimento de seu tempo, faz um pacto com o demônio Mefistófeles” (esse será relembrado em Videotape) ao qual inevitavelmente nos remetíamos. A letra demonstra pequenos conflitos cotidianos que vão encerrar na questão maior “For no real reason... There's no real reason”, enfim, não é essa a questão. Delicada e simples, ela nos traz uma sensação de momento de parada para o deleite.

Reckoner parece ser o âmago da questão In Rainbows, como ela mesma diz em seus versos “fomos separados sobre ondulações da areia branca , sob o arco-íris” lembrando de que “na emocionante aventura da vida formaremos o arco-íris humano, sinal concreto de harmonia e equilíbrio.”, ensinamento budista. Os acordes repetidos e brandos, serenamente organizados, lembram um som monástico, o vocal em constante falsete, dá a ela um clima de quase meditação. Outra linda canção que parece, conseguiu o pretendido, tremenda paz e deleite ao ouvir.

Os acordes simples de House of Cards trazem com a letra, de volta a questão de que “não importa como isso vai começar ou terminar” , demonstrando no entanto, de relacionamento onde há os perigos da negação do existir, De novo, contrastando a simplicidade de som em clima relaxante, com uma pegada quase “bossa nova” encontramos a densidade instigante da letra, demonstrando toda uma tensão de uma estrutura prestes a ruir, entrar em colapso, a incerteza há de vir e o conflito sempre presente “
Jigsaw Falling in to Place e sua letra definindo a temática apresentada diz “there is nothing to explain” talvez, remetendo às tão faladas linhas ou não de guitarras trazidas até OK Computer, negadas em Kid A, retomadas de Amnesiac em diante, parece afirmar “o quebra cabeça se encaixa, antes que me tirem o microfone” é isso o que a banda quer dizer. Repleta de cordas desajustadas e distorcidas, um som empolgante em que ao ouvi-lo, dificilmente se consegue ficar parado.

“today has been the most perfect day i've ever seen” é essa a grande mensagem trazida na tristonha Videotape, com batidas desoladas ao piano, crescendo depois pra uma sonoridade que lembra fita VHS encerrada ao esquecimento, em repetidos sons de percussão lembrando um aparelho igualmente solitário, indo e voltando. A lembrança através das imagens, de momentos de conflito, tolhidos entre bem e mal “When mephistopholis is just beneath” constatando após “You are my centre when i spin away” mas que ainda assim, teria que haver uma despedida.

Essa canção encerra o álbum, novamente citando matéria da Rolling Stone, contrariando a vontade de Nigel Goldrich, produtor musical da banda, e de Thom Yorke, o que nos leva a pensar que toda a ambiência de fim trazida por ela, nada mais é para ambos, o começo de algo que faria desse fim “o mais perfeito dia já visto”.

Artwork – Digital Booklet- InRainbows

 

Download

In Rainbows


(2007) Radiohead – In Rainbows
Track list:
CD 1
1. “15 Step” – 3:58
2. “Bodysnatchers” – 4:02
3. “Nude” – 4:15
4. “Weird Fishes/Arpeggi” – 5:18
5. “All I Need” – 3:48
6. “Faust Arp” – 2:09
7. “Reckoner” – 4:50
8. “House of Cards” – 5:28
9. “Jigsaw Falling into Place” – 4:09
10. “Videotape” – 4:42
CD 2
1. “MK 1″ – 1:04
2. “Down Is the New Up” – 4:59
3. “Go Slowly” – 3:48
4. “MK 2″ – 0:53
5. “Last Flowers” – 4:27
6. “Up on the Ladder” – 4:17
7. “Bangers + Mash” – 3:20
8. “4 Minute Warning” – 4:06

Por Alexandre Matias
Vamos falar a verdade – o Radiohead só passou a existir a partir do segundo semestre de 1997, quando OK Computer definiu uma fronteira ainda inconsciente. Ali terminava a carreira de uma banda do terceiro escalão da geração britpop, que se esforçava para suprir a lacuna deixada pelo U2 à medida em que Bono e companhia mergulhavam na dance music. Mesmo com algumas boas faixas em The Bends, o Radiohead era menos do que nota de rodapé na história do rock, fadado a ser lembrado mais por “Creep” do que por faixas infinitamente superiores, como “High and Dry”, “Fake Plastic Trees” ou “Just”. Até que, em um disco, mudaram completamente a abordagem de sua música, sua própria noção de importância e a consciência de perspectiva histórica. OK Computer era uma coleção de faixas que soavam tão inquietas quanto clássicos do rock, devendo tanto ao stress existencialista da geração X e à paranóia consumista dos anos 90 quanto aos discos solo dos Beatles e os discos certos do rock progressivo. E toda poeira retrô que pairava sobre as canções do último álbum da história do rock soa setentista ao mesmo tempo em que flutua pós-moderna, como se letra e música fossem atiradas à ausência de gravidade e humanidade de uma etapa cinzenta a seguir. Imagine o estado da banda ao conduzir versões com 14 minutos de uma “Paranoid Android” ainda não gravada para o público da primeira turnê americana de Alanis Morrissette, de quem foram o show de abertura.
Mal sabíamos como aquele OK Computer seria definitivo: surrupiada de Douglas Adams, a frase funcionava como um epitáfio para o mundo pop como o conhecíamos, de artistas inatingíveis, canções que soam como hinos, discos para serem ouvidos de cabo a rabo, a indústria fonográfica em particular e o mercado de entretenimento como um todo. Tudo começaria a ruir naquele semestre. Ao mesmo tempo em que as letras da banda pareciam concretizar-se, novas estradas digitais eram erguidas. A ausência de resistência do título não era apenas um último suspiro, uma trégua final – também anunciava o início de novas regras no jogo do pop. Afinal, o computador não era apenas a caixa cinzenta de plástico que passaria a nos conectar através de uma rede neurológica planetária artificial, mas também cada um de seus usuários. Ao ceder ao computador, a banda estava encerrando também o ciclo de relação da banda com o ouvinte passivo, afinal, a partir dali ele também inseriria dados na equação do sucesso de determinado artista que iam além da simples compra de ingressos ou de discos.
O próprio Radiohead foi cobaia desta nova realidade ao ver o disco posterior a OK Computer aparecer online antes de ter sido lançado. Três anos após ter subido degraus consideráveis em importância no mundo pop graças a um único disco, o Radiohead armava a contagem regressiva para o lançamento de um disco que a indústria esperava ser campeão de vendas com notícias que diziam que o disco seria hermético e experimental. E a expectativa aumentava quando gravações com as novas faixas tocadas em shows começaram a aparecer na internet –que culminou com o próprio vazamento de Kid A quase dois meses antes de seu lançamento oficial. Aquela novidade era uma prática que já vinha acontecendo com artistas menores, mas, com a chegada do Radiohead ao primeiro escalão do pop, abriu as possibilidades de ver a internet como vilã, ao minar as possibilidades de um artista de grande porte vender ainda mais discos. O resultado foi um esgar inicial à complexidade e densidade das canções, avessas ao classicismo de OK Computer, que rendeu notícias anunciando a morte prematura do disco. Mas foi o tempo necessário para o público digerir o álbum e seu conceito antipop para que Kid A, contrariando todas expectativas, se tornasse um dos discos mais vendidos do ano 2000 no mundo inteiro.
Com Kid A, o grupo virou as costas para o que havia pregado em OK Computer e partiu para o que mais havia de vanguarda na época. Lembro da Wire, bíblia da música experimental, estampar Thom Yorke em sua capa com um misto de admiração e culpa, pois a banda de rock mais popular do planeta tinha levado para seu aguardado disco parte do universo de exploração e experimentos endeusados pela revista. A música mais “fácil” de Kid A não ajudava muito, ao criar um neologismo que fundia idiotice com discothéque, numa crítica nada sutil à pista de dança. Pesado e de poucos amigos, Kid A é um salto no escuro tão radical quanto os álbuns negros do Prince e do Metallica – embora não tenha errado tanto quanto o primeiro nem acertado tanto quanto o último. Em seu quarto disco, o Radiohead tinha deixado de ser uma banda pop aspirando o Olimpo para assumir a expressão de uma esfinge, uma Mona Lisa de olhos tortos que ri de/com/para algo – e você não sabe do quê.
Os discos seguintes continuaram a trilha, abrindo-a para os lados. Amnesiac é o lado B de Kid A e o disco ao vivo I Might Be Wrong compila as músicas dos discos anteriores que poderiam ter feito o sucessor de OK Computer um disco palatável – mas desimportante por ser muito parecido. Com Hail to the Thief, eles ampliam ainda mais suas discussões ao assumir posições políticas ao mesmo tempo em que costuram o experimentalismo com sua maior qualidade, as canções.
Sete anos depois do abismo Kid A, o grupo dá um passo ainda mais ousado - talvez até mesmo que o de OK Computer. Tudo estaria resolvido em menos de um mês. Em setembro de 2007, pouco se falava sobre o próximo disco do Radiohead e no mês seguinte a banda dominava o imaginário mundial. Começou com o mínimo de barulho num site chamadowww.radiohead7lp.com, que computava uma contagem regressiva para alguma coisa. Sim, era o sétimo disco do Radiohead que estava para ser lançado, mas logo a própria banda vinha em seu site para dizer que não tinha nada a ver com aquela contagem regressiva. Em alguns posts anteriores, o grupo apenas lançava mensagens enigmáticas, criptografadas – uma delas foi traduzida como sendo MARCH WAX, o que levava a crer que o próximo disco da banda sairia apenas em vinil, seis meses depois.
Ou não. Eis que o tal cronômetro chegou ao zero, revelando a frase - THE MOST GIGANTIC LYING HOAX OF ALL TIME (O MAIS GIGANTE E MENTIROSO BOATO DE TODOS OS TEMPOS, tudo em caixa alta mesmo) linkada a um vídeo do YouTube, que nos fazia cair no clipe de “Never Gonna Give You Up”, de Rick Astley, num primeiríssimo Rick Roll’d em larga escala. Ao mesmo tempo, o próprio site da banda revelava a seguinte mensagem:
“Hello everyone.
Well, the new album is finished, and it’s coming out in 10 days;
We’ve called it In Rainbows.
Love from us all.
Jonny”
Dali você era redirecionado para o site InRainbows.com, que escreveria uma nova página na história do capitalismo. No momento em que você optava por comprar o álbum, o site lhe oferecia a opção de escolher o preço que queria pagar. Não era simples altruísmo: assim, o que o Radiohead admitia era o fato de que, uma vez feito, o disco já estava lançado – pagaria quem se dispusesse a faze-lo. Mais do que ter o preço avaliado pelo comprador – o que é um conceito inovador em si –, In Rainbows foi dado de graça. Quem quisesse, poderia pagar pela comodidade de receber, além das dez faixas disponibilizadas em MP3, um pacote com o disco em vinil em edição especial, que ainda incluía um disco extra. Calibrando suas faixas com um bitrate específico (160 – ao contrário dos 320, 192 ou 128 que são usados como padrões), eles logo dominavam a rede com o mesmo disco em milhões de HDs diferentes. Ao contrário do vazamento involuntário, que pode pular uma das etapas do processo de produção do disco e vir com algo menos (títulos definitivos, masterização, ordem das músicas, etc.), In Rainbows chegou inteiro e ao mesmo tempo para todo seu público – e exatamente como queriam seus autores. Em um fim de semana, o sétimo disco do Radiohead deixava de ser uma conspiração decodificada por fãs para se tornar um novo paradigma para a cultura pop.
In Rainbows ainda tem outro mérito – o de mostrar que download gratuito não pressupõe pirataria, como desinformava a guerra de nervos promovida pela indústria do disco no início da década, quando insistia em jogar na internet a culpa da má gestão de seus próprios negócios nos anos 90 e trata-la como vilã. Assim, se uma incauta geração inteira baixava MP3 como se não houvesse amanhã, outra, precavida, comprava seus MP3 com medo de prejudicar seus artistas favoritos. O Radiohead deu a esta última a chance de baixar não apenas uma música, mas um disco inteiro, de um artista estabelecido – de graça, sem dor.
O feito transformou o Radiohead em novo paradigma digital. Não apenas o universo musical, mas todos conscientes do papel da internet ouviram falar da nova estratégia da banda, que em uma semana, teve mais de um milhão de downloads só do site oficial, dominou a parada da Last.fm e apresentou-se para gente que nunca tinha sequer parado para ouvir o grupo. Além de impulsionar uma safra de artistas a adotar o formato.
Há quem desmereça o feito como mero recurso técnico feito para distrair a atenção da essência artística – reação usada para esvaziar os efeitos de Guerra nas Estrelas ou de Dark Side of the Moon, a cor em O Mágico de Oz, a pompa de Sgt. Pepper’s, o timbre de João Gilberto, a falta de respostas em Lost ou a filosofia de araque em Matrix. Os detratores do pop desvinculam tais elementos de suas obras originais de forma a torná-los ridículos para quem acompanha o fenômeno de fora, sem perceber que é justamente esse o elemento responsável por ampliar o público para longe do nicho, rumo às massas. E por mais óbvio que pareça ter sido o salto dado por In Rainbows, ele foi crucial, pois quebrou o parâmetro linear de produção da era analógica, que inevitavelmente faria o disco ser lançado mesmo em março de 2008, caso a banda entregasse o disco à gravadora, e não ao público. A sensação de desnorteamento foi tamanha, que havia quem considerasse o lançamento digital do disco um híbrido improvável batizado de “vazamento oficial” – sem perceber a contradição no termo. Como provocação, a banda ainda marcou o lançamento oficial do CD para o primeiro dia de 2008 – como se perguntasse a quem falou em “vazamento oficial” de quando é que eles vão datar o CD, 2007 ou 2008? Endossando a provocação, o Radiohead ainda fechou um acordo com a CurrenTV de Al Gore para transmitir um show gravado no estúdio da banda no último dia de 2007. Poucas horas antes do disco chegar às prateleiras das lojas do mundo, milhares de fãs da banda em todo o planeta cantavam todas as músicas de um disco que ainda não existira fisicamente, apenas de forma digital.
Mas o fato é que todo esse rebuliço não seria tão importante caso In Rainbows não fosse bom. Tanto que logo depois o Nine Inch Nails lançou um disco de forma ainda mais ousada – tanto em termos mercadológicos quanto em se tratando de narrativa – e ninguém mal ouviu falar do disco. Por que é ruim? Não, afinal de contas, o trabalho de Trent Reznor é sério. Mas por que não se conecta de forma tão intensa com a própria época como o do Radiohead.
E chamar In Rainbows de um bom disco é exagerar na modéstia. In Rainbows é o melhor álbum dos anos 00.
Pois todo experimentalismo da virada do milênio já havia sido digerido pela própria banda. Expurgando a possibilidade de se repetir ao cogitar discos de vanguarda em vez de álbuns de rock, o Radiohead aos poucos abandona a experimentação e o improviso, rumo ao artesanato cancioneiro. As texturas e timbres alienígenas de Kid A/Amnesiac surgem nas entrelinhas, nos arranjos, nos detalhes de In Rainbows – que é, essencialmente, uma continuação de OK Computer. Há uma linha de raciocínio que inclusive busca ligar ambos discos e fãs do grupo são instigados a procurar sentido em coincidências como o fato dos dois discos serem batizados com expressões com duas palavras, uma com duas letras e outra com oito. Já cogitaram até mesmo que a audição entrelaçada das faixas dos dois discos abre uma nova dimensão entre suas canções – mas o efeito é mais lúdico do que racional e poderia funcionar com quaisquer faixas dos últimos discos da banda (sinal da coesão de sua sonoridade). Mas há ainda quem veja coincidências nos detalhes – e há uma ênfase no número 10 que sugere alguma referência à linguagem binária no Código Radiohead. Além dos discos terem 10 faixas cada (OK Computer tem doze, sendo que uma, “Fitter Happier”, é um interlúdio), OK Computer e In Rainbows foram lançados com dez anos de diferença entre si – e o último lançado exatamente no dia 10 de outubro (o mês 10) de 2007. E mais: o fato do título dos discos começarem com as letras “O” e “I” também seria outro aceno ao código binário. “Down is the New Up” – parece que tem mesmo algo aí.
Mas, principalmente, há a música – e ela se mostra a princípio hermética. In Rainbows abre fechando-se com uma rajada de beats tortos, primos da gravadora Warp, que tanto bateu no grupo no início da década. “Como posso terminar onde comecei?”, pergunta-se Yorke, sem se preocupar em nos dar as boas vindas. “15 Step” aparentemente nos guia para outro beco sem saída experimental. Mas aos 40 segundos, deixa a guitarra jazzista de Jonny Greenwood superpor-se à percussão esquizofrênica – e a de Ed O’Brien logo surge funcionando como segunda voz, junto com uma sinuosa linha de baixo e uma melodia direta e reta, oposta a seus versos de abertura. “Tudo estava bem/ O que aconteceu? O gato comeu sua língua?”, pergunta o vocalista sobre a mudez espiritual de nosso tempo. “Etc. etc./ Fatos ou o que for”. O clima apático e tenso parece dissolver-se numa melancolia pós-milênio que filtra todo o disco – um sentimento que é um vazio existencialista parente da apatia cantada por Kurt Cobain e de um blues robô, que une Kraftwerk, Daft Punk, Aphex Twin e Brian Eno numa espécie de eletrônica autoral, em que o ritmo tem mais sentido do que sensação. Mas se essa sensação oca era a mesma que causava desespero e náusea em OK Computer, em In Rainbows ela parece menos caótica e mais precisa – como se tivesse completado um ciclo (os “15 passos” seriam um programa?).
“Bodysnatchers” segue dura e rock, com seu riff distorcido conduzindo o ritmo como um cavalo selvagem, acompanhado em seguida por toda a banda. Esta alterna entre o pique inicial (cuja letra revela seu protagonista catatônico – “pisque seus olhos/ Uma vez para ‘sim’/ Duas vezes para ‘não’/ Eu não faço idéia do que você esteja falando”) e uma clareira de ritmo, quase zen, quando uma guitarra saída de um disco do Cure ou um teclado fantasmagórico sublinha os gemidos de Yorke. “A luz apagou pra você?/ Pra mim, apagou/ É o século 21”, canta numa performance, que vai do grunhidos ao sussurro, sua voz tão solta na parte final da canção como qualquer outro instrumento da banda, tão importante à formação sonora quanto as três guitarras, os teclados ou a cozinha decidida – e é ela quem encerra a faixa repetindo “eles estão vindo!”, como se impressionada com a coesão e força da usina de som que lidera, logo depois de concluir “eu estou vivo”.
“Nude”, conhecida pelos fãs de shows com outro título, “Big Ideas”, começa superpondo vocais, samples de corais, cordas sintéticas para criar um clima de catedral, que é logo esvaziado – deixando apenas Yorke com o baixo de Colin Greenwood e a bateria de Phil Selway, criando uma atmosfera bucólica e tranqüila (embora a letra cante que por mais que você se apronte,“sempre algo estará faltando”), em que as duas guitarras entram como se fossem uma só, alternando detalhes dedilhados como nas baladas mais hipnóticas do Velvet Underground ou as canções mais pastoris do Pink Floyd. E logo essa estrutura instrumental serve como base para as mesmas cordas, samples e vocais que abriram a canção voltarem – e quando Yorke deixa sua voz soar sem letra, há um minuto do fim, estamos ouvindo um dos trechos musicais mais bonitos de nossa época, quase uma revelação sentimental, sentimentos que só a música consegue traduzir – palavras falham.
O disco retoma à contagem de tempo antes da bateria assumir o ritmo incessante kraut que funciona como tela em branco para três guitarras superporem dedilhados, completando-se em “Weird Fishes/Arpeggi”. Não consigo dissociar não apenas essa faixa, mas diversos momentos de In Rainbows, da descoberta do violão feita pelo Legião Urbana em seu segundo disco – até porque a própria trajetória do Radiohead ultrapassa um arquétipo vivido pelo grupo de Renato Russo, que é quando uma banda guitarreira descobre a eficácia da harmonia em detrimento do ritmo e a sutileza do instrumento acústico em contraste à histeria elétrica. “Weird Fishes” é parente bastarda de “Andréa Doria” e “Plantas Debaixo do Aquário”, as mesmas texturas instrumentais, mesma sensação de esperança disfarçada de desespero, mesma abordagem temática do mar (Andréa Doria era o nome de um barco italiano que afundou em 1956, perto de Nova York).
De andamento quase fúnebre, “All I Need” é outra bomba-relógio – ela parece prenunciar uma música tensa e solene, quando, na verdade, é a balada mais pop que o grupo já fez; uma canção pronta para aquecer corações, escorada em um arranjo com cara de Björk: bateria minimal, piano soturno, efeitos sonoros, ecos, muitos vazios. Ela termina em “Faust Arp”, uma microcanção em que o arranjo de cordas a deixa com ar ainda mais pastoril, nickdrakeano, onde o grupo faz valer seu anglicismo.
A linda “Reckoner” é outra música que vai sendo construída lentamente entre nossos ouvidos, cada camada de instrumento sendo disposta de forma didática, nos ajudando a ouvir o que cada um faz na banda e nos explicando sentimentalmente o que é que precisa nos afeiçoar em uma canção para que ela torne-se universal – neste caso, apenas o andamento e a melodia, todo o resto é assessório. O vocal de Thom em especial deixa a aparente psicopatia de lado e atinge seu grande momento – em especial quando, na segunda parte da faixa, canta consigo mesmo e entoa, quase em segredo, o nome do disco. “House of Cards” não deixa cair – e vai pela mesma fórmula da canção anterior nos fisgando sem pensar. Desta vez o ritmo é determinado pela guitarra, que é apenas seguida pela bateria, deixando Thom Yorke ter seu outro grande momento, cantando em tom grave, oposto ao falsete de “Reckoner”. Há tanta referência – e reverência – ao folk dos anos 70 quanto à música ambient da virada do milênio, em outra canção irretocável.
“Jigsaw Falling Into Place” é o grande momento do disco, como se fosse uma “Paranoid Android” amadurecida em dez anos – as mudanças entre as faces da música são menos abruptas e suas diferentes caras soam complementares, não antagônicas. Ela aponta para uma certeza que toma conta do disco – de que estamos finalmente vendo as coisas do jeito que elas são. Caem as máscaras erguidas pela comunicação e aos poucos conseguimos ver quem é quem, como se o ataque de pânico de OK Computer fosse substituído por uma sabedoria cínica, algo Tyler Durden, um sociopata disposto a derrubar tudo por dentro – a princípio o tom é sóbrio:
“Logo que você segura minha mão
Logo que você anota o número
Logo que as bebidas chegam
Logo que eles tocam sua música favorita
A mágica desaparece”
A letra continua dissecando toda a tensão da sociedade moderna do mesmo jeito em que a banda cresce – instrumentos acústicos e vocais que cantarolam começam a ser trocados por berros, solos de guitarra e cordas dramáticas e a música ganha um volume e densidade que no início era apenas referido. A letra invade um outro país das maravilhas de Alice, de paredes que perdem forma e gatos que sorriem mas também de ruído, ritmo e câmeras de circuito fechado. “Nunca fui lá/ Só fingi que fui”, “antes que você entre em coma/ Antes que você fuja de mim”, “Pra que servem instrumentos?/ Palavras são armas de cano serrado”, Yorke nos induz ao transe dervixe inglês antes de sentenciar que o quebra-cabeças começa a fazer sentido: “As peças se encaixam/ Não há nada a ser explicado”, canta como um guru psicodélico que guia um novato em uma viagem alucinógena – mas a viagem que a banda propõe é justamente abandonar o excesso de referências que polui e superlota nossas cabeças para “desejar que o pesadelo se vá”, pois “você tem uma luz e pode senti-la”. E ele não está sendo esotérico, como dá pra perceber.
“Videotape”, devagar quase parando, encerra o disco com a melancolia de um velho VHS, Thom Yorke vê-se póstumo ainda querendo ater-se à vida que acabou de perder (“quando eu chegar às portas do céu/ Isso estará gravado em vídeo/ Mefistófeles logo abaixo/ Tentando me puxar”), nos fazendo pensar em nostalgia e como nos apegamos mais ao passado do que ao presente. Os acordes congelados ao piano são emoldurados por ruídos e texturas, sem nunca superpor-se à canção.
In Rainbows é um conjunto perfeito de 10 canções perfeitas. Elas conversam entre si exatamente como falam das sensações que todos sentimos nos dias de hoje – um medo opressor cuja natureza é indeterminada, a tensão de ser humano – animal ou racional? – na medida em que a civilização entra em colapso, uma sensação vazia que se sobrepõe ao excesso de tudo. São os mesmos sentimentos desenhados em OK Computer, o que muda é a relação da banda com eles – se no primeiro disco parecia espantar-se e cogitar o suicídio, neste percebe que todo o ruído e poluição é só a casca de uma pseudo-realidade – e que o que há por trás do excesso de informações e caos de consciência que distorce nossa rotina é muito simples, claro e fácil.
Alie isso ao fato de In Rainbows não ser um disco de inéditas. Conhecidas de seu público através de shows, todas as faixas já haviam aparecido mais de uma vez e já tinham vídeos no YouTube, letras em sites de fã e seqüências de acordes em repositórios online de canções cifradas para violão. Não era seu ineditismo que as tornava especiais em In Rainbows – mas a forma em que elas foram dispostas, sua produção, seus arranjos, o sentido que fizeram umas juntas às outras. Uma outra leva de músicas ainda podia ter se juntado à coleção inicial mas terminou como uma espécie de conteúdo extra – o segundo disco do vinil duplo vendido através do site – mas que, quis o destino, não era In Rainbows.
In Rainbows é um conceito fechado, uma declaração de princípios, um manifesto estético. Mais do que um disco que assumiu-se digital por natureza e copiável por definição, é uma coleção de canções que não apenas traduzem certas sensações que permeiam nosso dia a dia, como faz isso com estilo, bom gosto, senso de importância e perspectiva histórica. Uma obra que ainda faz valer a existência de um formato, a prova de que o fim do CD não pressupõe o fim do álbum. E, por tudo isso, é o disco mais importante da década.
Nos anos 90, o Radiohead não chegou perto deste título pois seus padrões foram estabelecidos logo no início – e OK Computer teria de competir com obras-prima como Blue Lines, Nevermind, Check Your Head, Loveless, The Chronic, Screamadelica e BloodSugarSexMagick. A década seguinte também talhou seu modus operandi de cara – e, desde o início, descartou o álbum como formato. Medidos em canções, os anos 00 esvaziaram o formato álbum de diferentes formas – de bandas que movimentam-se exclusivamente por singles (como toda a geração novo rock nascida após os Strokes) a artistas que se lançam por etapas, adicionando elementos extra à medida em que envolvem o ouvinte (pense nas carreiras de Dangermouse, Jack White, Marcelo Camelo ou Nick Cave – e suas muitas camadas de apresentação ao público). Quando o Radiohead se propôs a lançar In Rainbows como o lançou, sabia onde queria estar.